Muitos de nós crescemos a ser ensinados que, na vida, será nos momentos menos bons das pessoas que lhes devemos dar apoio e ajudá-las a reerguerem-se. Isto aplica-se a familiares, a amigos, colegas, vizinhos, até a estranhos com os quais o destino nos faz cruzar.
Se extrapolarmos esta ideia que me parece consensual (não necessariamente praticada por todos ou que tenha que ser aceite por todos, note-se; não obstante, em essência, é um principio de vida válido e pessoalmente aceito como natural) para o contexto macro, o modo displicente como o actual Governo abandona de forma descarada o papel do Estado social quando há toda uma franja da sociedade que, cada vez mais, precisa de ajuda perante as circunstâncias de vida que mudaram radicalmente (agregados familiares com duplo desemprego, contas por pagar, ordens de despejo de casas para as quais o orçamento não chega, filhos que necessitam de livros escolares e comida na mesa, cuidados médicos que custam caro, idosos sem rede que enganam a fome com a tristeza).
O laço da asfixia ao apertar só está a agravar um nível de vida que, para a larga maioria, se torna insustentável. Sim, erros foram cometidos, mas nem todos que hoje vivem num estado misto de stress pós traumático com o mais puros dos medos, terão cometido os erros que os doutos comentadores, analistas e eminentes figuras deste país atiram como argumento para o "ai aguenta, aguenta".
Ao discutir isto hoje com um amigo, perguntava-lhe o que é que esperava o Governo, a UE, a banca estrangeira, ou a Troika conseguir em 6 meses. Que uma onda de esfaimados, revoltados pela desesperança, invadissem as ruas, e atacassem quem mexesse?
O que ele me respondeu foi que, na sua opinião, externamente, em 6 meses, era expectável criar emprego, com salários muito mais baixos e por ai estimular timidamente a economia, com as pessoas agradecidas a aceitarem placidamente um emprego, ainda que numa situação económica mais desvantajosa, e a trabalhar mais (produtividade) e bem (com qualidade europeia).
Ambos concordamos que isto é uma expectativa demasiado optimista. Além de eticamente ser prova provada que esta crise, como desde 2008, quando rebentaram os "mercados" nos EUA, é uma crise de valores, muito antes de chegar a crise financeira.
E não vai acontecer. As pessoas lembram-se demasiado bem da vida que tiveram no passado recente. Se foi inflaccionada por manias de grandeza e crédito fácil (crédito, note-se, que agradava a todos, a quem recebia, a quem dava, a quem alimentava desde fora, e aos que vendiam bens e serviços à custa desse crédito), se foi resultado de uma situação confortável que tinham (period), lembram-se e não é liquido que vão aceitar a "esmola" só porque sim.
Sobretudo quando os sacrifícios recaem só de um lado, quando quem gere o país, e alguns co-adjuvantes que atiram soundbytes nas rádios e TVs, destilam insensibilidades e apontam o dedo acusador mas à noite regressam ao aconchego do lar catita na zona chique e veraneiam no Algarve do costume. A Banca foi salva à custa dos sacrifícios de todos nós e como paga disso, a mesma Banca não apoia empresas locais, não as ajuda a manter-se (mesmo que exigisse planos de gestão mais exigentes, por exemplo) nem é flexível perante as situações individuais. Nós salvámos os bancos, os bancos salvos estão agora a assegurar que os seus accionistas e administrações saem o menos possível beliscados desta "chatice". Quid pro quo?! Qu'é lá isso?
Se é verdade que as pessoas estão apreensivas e tensas quanto ao dia a dia, também é verdade que não é por isso que, e de novo generalizando, estejam a dar o extra mile. Muito pelo contrário: enquanto consumidora, enquanto cliente, e até de uma perspectiva profissional, o que vejo/lido são níveis de desmotivação, baixa afiliação e, gradualmente, com a (ainda) maior degradação dos salários, mais difícil será mudar o rumo das coisas. Há um desanimo generalizado, e não estando a advogar a atitude, constatando apenas um facto, dificilmente assim se conseguirá produtividade e qualidade almejada, a baixos preços.
E com o fosso a alargar-se entre os que "têm" (pouco, alguma coisa e mesmo muito) e os que "não têm" (sejamos honestos, é isto que está a acontecer, cada vez mais), o que acontecerá quando as pessoas se rebelarem e saltarem às ruas, à séria? Com os cortes na Segurança, estamos preparados para no nosso conforto burguês sentirmos na pele este pavor? O pavor que vimos nos olhos de tantas pessoas anónimas que se olharmos bem nos fará arrepiar?
O que nos espera, a sério?
Estamos preparados?
Conscientes? Cientes de que todos precisamos de ajudar e de ser ajudados e que não podemos contar com o Estado porque o Governo o retirou de campo?
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