Agora que se aproxima o meu próprio Dia de Reflexão (vou estar com uma azia, valha-me a Santa!), tenho consciência que uma das coisas que mais me arrependo nesta vida é não ter emigrado. Quando pensei nisso muito a sério, há uns 10 anos. A oportunidade passou, a vida tornou-se nesta moínha burguesa detestável mas cada vez mais me apetece pegar na mochila e ir (sendo que no meu caso, mochila é uma metáfora, como se percebe).
Uma das minhas amigas mais próximas é Professora. Não por opção, ou falta delas, mas por vocação.
Porque gosta mesmo de ensinar. Porque se prepara a sério para as aulas. Porque perde imenso do seu tempo (tempo que multiplica em mais uma licenciatura, em terminar um doutoramento, em dar explicações e formação profissional, dado que a situação indefinida de professora não lhe permite um salário tranquilo, ao fim de mais 15 anos a leccionar) a corrigir trabalhos de casa. Porque eleva o nível de ensino preparando os alunos para as exigências dos exames nacionais, actualizando-se a cada ano, quase, com o conteúdo programático que está sempre a mudar. Porque tenta introduzir dinâmica prática nas aulas facilitando a aprendizagem e estimulando os alunos.
Quando penso em tudo de mal que os professores fazem e do barulho que andam sempre a zurzir, pelas razões erradas, penso nela e lembro-me que há excepções. Boas excepções.
Eis senão quando, esta semana, é convocada a uma reunião com um conjunto de pais preocupados com os seus petizes de uma das turmas (alunos do 12º ano).
Queixam-se que o modo como ela ensina é muito duro, que dá sempre trabalhos de casa, que os miúdos precisam de ter vida pessoal e descansar e semanalmente terem que resolver exercícios de geometria descritiva é uma violência. Acresce que as notas do 1º período foram baixas, os pais estão descontentes porque nunca antes as suas maravilhas procriações tiveram esse problema. Bom, a professora é uma cabra vil e os alunos estão em sofrimento.
A outra professora, convocada para arbitrar a situação, não querendo problemas para gerir e não querendo questionar o professor do ano anterior (que terá deixado a turma com a matéria atrasada e não os preparou para o ano de exames finais), aconselhou, a bem de todos, e perante todos, que a minha amiga fosse menos exigente, lhes desse mais tempo para se divertirem e a "suavizar" no ritmo de ensino.
A minha amiga, com concursos congelados para o próximo ano lectivo, e não podendo ficar sem trabalhar, não pode dar 2 berros aquela malta e partir as trombas ao colega.
É Geometria Descritiva de 12º ano, querem o quê? O método e a carga que se aplica à Educação Musical do 6º ano? E os pais em vez de terem os sacanas dos filhos a vergar a mola, apostam no laxismo? É este o critério que vai pautar a posteriori estas criaturas na sua vida adulta?
O que vai acontecer é que a minha amiga, para além de uma camada de nervos, apanhou um choque de realidade, vai manter as aulas num patamar mínimo de aprendizagem e, a contragosto, vai marimbar-se para os exames nacionais. Logo ela que está habituada a que os seus alunos saquem 17 e 18 a Geometria Descritiva.
E, perante isto, temos uma professora desmotivada por fazer o seu trabalho (bem), e um bando de pessoas doidas que ajudam, à sua maneira, e com jeitinho, a que este país seja um buraco ainda maior.
Isto é profundamente triste. Não encontro melhor adjectivo.
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