Avançar para o conteúdo principal

Uma Doença chamada Intolerância

Infelizmente o 380º post (número bem catita e que me enche de orgulho!), é sobre um tema triste.

Neste momento, morrem pessoas por todo o mundo. Ontem, igualmente. Amanhã, de novo. De doença, de acidente, por opção própria, às mãos de outros, por negligência ou de forma calculadamente fria. Sem querer relativizar esta realidade, tenho que escrever sobre Carlos Castro.

Não o conhecia pessoalmente. Não era fã, mas confesso que me fazia rir. Irritava-me aquela coisa tão tuga de insinuar nos seus textos coisas (hilariantes, por vezes; outras, típicas da fina flor do entulho) sem declaradamente dizer a quem se referia. Era frontal no que lhe interessava. Mas tinha o seu mérito. Fez coisas fora de tempo, neste país. Assumiu uma certa atitude "I don't care!" que faz falta a muita boa gente, que vive entre sombras sem se afirmar (seja pelas suas opiniões, seja pelas suas orientações sexuais, seja pelo que seja). Carlos Castro tinha uma coisa a seu favor: gostava de mulheres, admirava-as, mimava-as, era amigo das suas amigas. E isso é um feito: alguém que tente entender o mundo complexo, alucinado e rico de uma mulher.

Não quero fazer a apologia de um morto, que não conhecia, que não me era nada. 

Interessa-me mais apontar o dedo, com todas as letras, à doença que grassa nestas (tantas) pessoas podres que já manifestaram o que acham do evento da morte de Carlos Castro. 

Carlos Castro foi assassinado violentamente num quarto de hotel e sexualmente mutilado pelo seu alegado namorado. Digamos, é uma morte dramática. Que choca qualquer pessoa que tenha valores e prinicipios

Desde que soube o que aconteceu, via Facebook, tenho acompanhado o que se tem escrito a propósito. E fico arrepiada. Assustada. Porque debaixo da capa de pessoas "normais", há indivíduos verdadeiramente doentes dos cornos e que, um dia, passando-se, cometem assassinatos em barda. Por "dentro" de trintões armados em machos e das senhoras católicas apostólicas romanas, há malta desequilibrada a valer. E que podem ser nossos colegas de trabalho, vizinhos, o raio que os parta.

  1. A teoria consensual é: "bem feita. Gajo que é bicha, não merece outra sorte." Isto é de uma ignorância básica terrível. E é inter-geracional, o que é mais assustador. 
  2. Depois, temos: "Coitado do rapaz devia estar farto de ser violado ou molestado". Doentes... estas pessoas são dementes. O alegado assassino seria também alegado amante / namorado da vitima, foi com a vitima para Nova Iorque de férias e nada indica que tivesse ido obrigado ou coagido. E se uma pessoa se farta de ir para a cama com outra, é um grande bem haja e até qualquer dia, não se põe a matar pessoas. Mas não ... é um jovem inocente que talvez nem soubesse se era ou não homossexual (ALGUÉM ESCREVEU ISTO, é possível!?)
  3. "Coisas de paneleiros, é o que dá!". Mais um brilhante sinal da evolução darwiniana. Crimes passionais entre homens e mulheres não acontecem, querem ver (lembram-se dos Bobbit, por exemplo?)? Mulheres mortas à pancada, ou homens desfeitos com tiros de caçadeira que as esposas lhes põem à frente, não há registo, será? Só os homossexuais é que se matam. Pois sim, soltem esses preconceitos e esses medos todos cá pra' fora quando há oportunidade.
  4. "Dizia que morria feliz em Nova Iorque, ora toma lá que realizaste o sonho!". A ideia de que o Carlos Castro, por escrever sobre o social, espetando farpas na vida dos outros, merecia ter como paga morrer no meio do escândalo, com o nome na lama, é muito portuguesinha. É de espíritos curtos. Uma pessoa não morre em escândalo, morre em dor, com a vida a passar-lhe pela frente. 
E nisso somos todos iguais. Seja uma morte divulgada ou anónima, de um heterosexual ou de um homossexual, de um crente ou de um ateu, de um homem ou mulher, disto não nos escapamos. Nada neste evento é composto de justiça poética. 

O que me entristece, e de facto dá-me medo, é que voltemos a um mundo em que perante uma revolta ou incidente, e sob o manto da multidão, demos asas às vinganças da populaça e se soltem os demónios que tantas pessoas trazem dentro de si.

Porque quando não somos tolerantes, quando não temos respeito pelos outros, quando não aceitamos a diferença, mesmo quando ela não nos afecta, estamos prontos e disponíveis para arrasar aqueles que não vemos como indivíduos, apenas como elementos do ecossistema que rejeitamos e vetamos à extinção.





Comentários

Mensagens populares deste blogue

Os lambe-cus (MEC)

Os Lambe Cus, by Miguel Esteves Cardoso   "Noto com desagrado que se tem desenvolvido muito em Portugal uma modalidade desportiva que julgara ter caído em desuso depois da revolução de Abril. Situa-se na área da ginástica corporal e envolve complexos exercícios contorcionistas em que cada jogador procura, por todos os meios ao seu alcance, correr e prostrar-se de forma a lamber o cu de um jogador mais poderoso do que ele. Este cu pode ser o cu de um superior hierárquico, de um ministro, de um agente da polícia ou de um artista. O objectivo do jogo é identificá- los, lambê-los e recolher os respectivos prémios. Os prémios podem ser em dinheiro, em promoção profissional ou em permuta. À medida que vai lambendo os cus, vai ascendendo ou descendendo na hierarquia. Antes do 25 de Abril esta modalidade era mais rudimentar. Era praticada por amadores, muitos em idade escolar, e conhecida prosaicamente como «engraxanço». Os chefes de repartição engraxavam os chefes de serviço, os alun

Devo ser a unica mulher

Que gosta do Mr. Big. Pois que gosto.  Enquanto a Carrie era uma tonta sempre à procura de validação e de "sinais", a complicar, a remoer, ser gaja portanto, o Mr. BIG imperfeito as may be era divertido, charmoso, sedutor, seguro (o possível dentro do género dos homens, claro), pragmático.  E sempre adorou aquela tresloucada acompanhada de outras gajas ainda mais gajas e mais loucas.  Fugiu no dia do casamento? Pois foi. Mas casaram, não casaram? Deu-lhe o closet e um diamante negro.  Eu gosto mesmo muito do Mr. BIG. Alguma vez o panhonhas classe media do Steve? Ou o careca judeu que andava nu em casa? Por Sta. Prada, naooooooooo! 

Do acosso

Este calor que se abateu com uma força agressiva consome qualquer resistência.  O suor clandestino esbate vergonha e combate qual sabre as dúvidas.  A noite feita à medida de libertinos cancela as vozes interiores que alertam para mais uma queda dolorosa. A brisa quente atordoa, embriaga no contacto com a pele. O tempo pára, as palavras suspendem entre olhares que sustentam no ar tórrido toda a narrativa; qual pornografia sem mácula, mas plena de pecado. A lua cheia transborda e dá luz à ausência de sanidade que percorre no corpo. Tudo parece possível, uma corrente de liberdade atravessa-nos com o sabor do quente esmagado. E, mesmo assim, pulsa algo mais intenso. Mais derradeiro. Mais dominador. Mais perverso que o toque dos dedos. Mais agressivo que a temperatura irrespirável. O freio da impossibilidade.  A intuição luta com o medo e na arena o medo mesmo que picado tem sempre muita força. O medo acossa-nos.