Ser chamada de gorda, sempre que há oportunidade, pelo nosso mais que tudo pode ser considerado bullying?
Apesar de não andar na escola, sou alvo da crueldade de outrém, o qual já devia ter idade para ter juízo. E ter receio pela sua preciosa colecção de CDs visto eu conhecer o conceito de vingança e saber onde mora o "agressor".
Em miúda, era o estereótipo estampado de alguém a quem o bullying lhe ia cair em cima. Então veja-se: claramente com peso a mais (eu e a minha mania de ser coerente, ao longo dos anos), aparelho nos dentes, óculos e boas notas. Mesmo a pedi-las, não?
Há 20 anos o bullying já existia. Mas éramos a geração do "Dartacão" e do "Agora, Escolha", caramba. Os miúdos eram muito mais inocentes. Mesmo quando eram maus. Os apalpões constantes nos corredores não davam azo a processos de assédio nem nos faziam sentir humilhadas. Hoje serão condenáveis, proibidissimos e mesmo assim as miúdas devem ser as primeiras a porem-se a jeito. Na altura, podíamos responder com um belíssimo e sonoro estaladão.
Os comentários de gozo excessivo, os empurrões nas escadas e mesmo as agressões que aconteciam eram geridos como algo natural no contexto de hormonas em crescimento e mentes tolas ainda a sair da infância e a tentar perceber a dinâmica de grupos.
Tudo o que me tenham feito de mal, sinceramente, já nem me lembro. Aconteceram, certamente mas não deixaram mazelas. Naqueles anos, apesar de ser um alvo fácil, tinha uma surpreendente capacidade de encaixe para relativizar as coisas e nunca tive medo de ir para a escola (era mais sábia e destemida aos 12 anos do que hoje, extraordinário!).
Por um lado, anos de botas ortopédicas e o correcto ensinamento doméstico, tornaram-me profissional da canelada. Por outro lado, o ambiente familiar de afago ao ego, não me fazia sentir frágil mas especial. Por fim, e muito honestamente, olhava para os agitadores de serviço, os provocadores desalinhados, com algum desdém não intencional. Sentia-me mais inteligente, melhor que a média dos meus colegas e isso dava-me um "colchão" de superioridade que amortecia as pancadas e que levava à indiferença (visto ao dia de hoje, é irónico: até parece que o Q.I. me tenha sido particularmente útil na vida adulta!).
Todo este pedaço egocêntrico vem a propósito do Menino do Tua, história que, para lá da miséria da inenarrável Comissão de Inquérito, de facto tem importância no caos deste pais. Chegar aquele ponto (para tomar a decisão de deixar o rio levar a dor) é de um desespero brutal (sei e nem o discuto). Numa criança de 11-12 anos é extremista demais. Ninguém reparou naquela situação limite?
Que pais são aqueles que não viram o sofrimento do filho e que não tentaram perceber o que se passava? Porque não lhe incutiram força e, ao mesmo tempo, lhe davam uma sensação de protecção? Todos temos mecanismos de reacção diferentes, mais ou menos resilientes. Parte da nossa formação contribui para esses mecanismos ganharem força. Faltando base de apoio, nem todos podem ser heróis ou sobreviventes.
E que professores inconsequentes não perceberam o que se passava e não lidaram com o assunto? As agressões que aconteciam na escola eram sancionadas por quem? Alguém se preocupou com alunos á responsabilidade da instituição assim que atravessam os portões? O ser professor é só fazer greve e andar em manifs?
Os outros colegas e amigos, que sabiam do que se passava, não reagiram? Não contaram a ninguém? Acharam que era normal e assistiram em silêncio, esperando que o tempo enterrasse as provas deste quadro, e não lhes calhassem represálias? É isto que lhes é ensinado?
Quanto aos agressores, que espécie de indivíduos andam os pais a fabricar? O que explica o nível de perversão e maldade destas crianças, que distinguindo bem do mal não sabem ou não querem parar? São alimentados a mata ratos, enquanto crescem?
Todos falharam. E neste momento, outros tantos estão a falhar. Em vez do luto pelo Menino do Tua, todos que agora o choram, deviam fazer luto por si mesmos.
Comentários
Talvez por ser pai e pensar que um dia o meu filho pode ser alvo de bulying ou talvez por pensar o quanto é fácil marcar um "alvo" naqueles ambientes...