(texto datado de 22 Maio de 2011. Profético e apropriado.)
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Sabia que não voltaria a ser amado como fora, por ela. Mas o cliché do vazio entre ambos e o desnorte do abandono a que ela se deixara abater vieram cedo de mais. Era algo muito forte. Como numa metáfora, o peso dela tornara-a o ambiente muito denso.
Ela ouviu a porta fechar, devagar. Esvaziou a mente. Preparou-se para voltar a dormir. Antes, de forma avassaladora, chorou. Estava, de facto, só.
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A Viagem
Ela fingiu estar ainda a dormir, enquanto ele deambulava devagar e em silêncio pelo quarto, recolhendo as coisas. Susteve a respiração, deixou-se estar quieta sabendo que estava à beira das lágrimas.
Ele estava de partida, viagem de trabalho, segundo o eufemismo. Ela sabia que ele não regressaria. Daí a um mês estaria a recolher o que ele deixasse em casa, para pôr numa caixa de cartão que ele apanharia num dia em que ela não estivesse em casa. Sabia-o.
O amor que lhe tinha não fora suficiente para aguentar tantos danos no casco. A distância física era mínima no dia-a-dia mas tremenda na ligação que haviam desenhado. Não falavam, ela isolava-se na sua solidão, ele estava presente sempre com a mente a vaguear por uma vida mais aventureira, bem disposta, que aproveitasse a época dos 30 que havia de findar.
Ele sentou-se ao lado dela e observou-a a dormir. O cabelo algo transpirado colava-se ao rosto, um rosto antes alegre e cheio de paixão, agora sempre contido e envelhecido. Mantinha os mesmos traços que o tinham levado a amá-la intensamente, contra família e amigos. Ganhara muitos quilos. E amargura. Lutava contra tristeza em vão, já sozinha porque ele desistira, impotente, de a ajudar.
Amava-a, ainda. As suas mãos carinhosas a passar-lhe no rosto, despertavam-lhe o desejo. Mesmo assim, descobrira outras mulheres. De bem com vida, vaidosas do look tentador, cheias de sal no corpo bronzeado. Os amigos avisaram-no: iria deixar-se seduzir por essa renovada energia e já não voltaria atrás.
Depositou-le um beijo cheio de saudade, de agradecimento e de cobardia, na testa, e preparou-se para sair. Não iria voltar. Queria ser feliz e o refugio que haviam sido aqueles anos, já não lho permitia.
Sabia que não voltaria a ser amado como fora, por ela. Mas o cliché do vazio entre ambos e o desnorte do abandono a que ela se deixara abater vieram cedo de mais. Era algo muito forte. Como numa metáfora, o peso dela tornara-a o ambiente muito denso.
Ela ouviu a porta fechar, devagar. Esvaziou a mente. Preparou-se para voltar a dormir. Antes, de forma avassaladora, chorou. Estava, de facto, só.
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