Avançar para o conteúdo principal

Summertime

As recordações do Verão dividem-se em duas. 

A mais imediata, são os 3 meses de praia, repartidos entre a Caparica, Foz do Arelho e Algarve. O acordar cedo, chegar à praia quase vazia, o cheiro a mar ainda sem misturas de cremes e gritos à beira da água. A excitação de ver se a bandeira estava verde, para despir com rapidez a roupa e entrar no mar, com uma pressa como se amanha o ritual não se repetisse. 

Era sempre assim. Todos os dias. Sair de casa ainda meio a dormir, de livro na mochila e cabelo preso num rabo de cavalo. Quando a viagem terminava, antes de chegar ao areal, o copo da Tupperware com leite frio e chocolate, bebido em vários golos. Só a recordação, traz o sabor do copo e do leite. E pão com manteiga. 

Esta metódica repetição variava apenas na Foz do Arelho. Além de nunca se ir muito cedo, quase sempre o pequeno almoço, numa leitaria nas Caldas, era um croissant simples e Capprisonne (altamente saudável, mas em férias, era a loucura!).

A dúvida era saber se chegando à praia, havia sol ou só nuvens e frio. Mas mesmo de sweater ficava-se por ali, entre leituras e arrojadas entradas no mar, com os ossos dos tornozelos a gritarem por debaixo da derme, rejeitando a violência do mergulho na água gelada, tão perigosa que a adrenalina de lá estar mantinha-nos de sobreaviso. Mas nada nos parava.

Depois de um dia inteiro de sol e sal, com a bola de Berlim da praxe (sem creme) que jamais faltava, entre novos amigos, amigos com a intensidade estival e de amores que se tornavam areia com a chegada do Outono, vinha o regresso a casa, cansada, desejosa pelo banho, por dormir uma sesta e por sair. Jantar fora no meio do bulicio veraneante, jantar tarde e depois passear pelas ruas quentes, de gelado na mão. 

Mais, tarde, a memória alarga-se às saídas pós-jantar. Dar brilho à cara, ter mais cuidado com o cabelo (sempre a criar-me ulceras nervosas por nunca ter um estilo certo), colocar gloss, os jeans de marca, o top ou tshirt que destacava o azul dos olhos na pele ligeiramente douradinha da Iglo.  Truques de sedução inocentes e irrelevantes, pois o que queria era dançar toda a noite. Saía-se da esplanada para a discoteca, vodkas e Marlboros, até de manhã. Via-se o nascer do Sol e tomava-se o pequeno almoço. 

Num certo Verão, no Algarve, antes da cama, saltava para a piscina enquanto pais afincados levavam os meninos para a praia e nós chegávamos com roupa e cara de noite, a fumar os últimos cigarros.

Este tempo não volta, é uma merda. Esta descontracção, esta despreocupação, tomar banho de piscina às 9h da manha ainda com alguma ressaca. Acabou-se. Eu não me importava de o fazer, aliás é uma frustração perceber que todos à minha volta "cresceram". É horrível viver num mundo de adultos. 

Estas memórias agarram-se à pele, como uma pancada dolorosa. 

Este ano não pisei, não vi, não cheirei praia. E não saí uma vez à noite (ir ao Bairro Alto, beber uma morangoska e ficar a ver outras pessoas a beberem no meio da rua para mim não é diversão). É uma tristeza sem fim. 

A magia perdeu-se.


Comentários

Mensagens populares deste blogue

a importancia do perfume e a duvida existencial do mês

Olá a todos advogo há bastante tempo que colocar perfume exalta a alma; põe-nos bem dispostos e eleva-nos o bom espírito. Há semelhança do relógio e dos óculos de sol, nunca saio de casa sem perfume, colocado consoante a minha disposição, a roupa que visto e o tempo que está. Podem rir-se à vontadinha (me da igual) mas a verdade é que sair de casa sem o perfume (tal como sucedeu hoje) é sempre sinal de sarilhos. nem mesmo umas baforadas à socapa no táxi via uma amostra que tinha na mala (caguei para o taxista) me sossegaram, ate pq não era do perfume que queria usar hoje. E agora voltamos à 2ª parte do Assunto deste email: duvida existencial do mês Porque é que nunca ninguém entrou numa loja do cidadão aos tiros, tipo columbine, totalmente alucinado dos reais cornos? É porque juro que dá imensa vontade. Eu própria me passou pela cabeça mas com a minha jeiteira acabaria por acertar de imediato em mim pp antes de interromper qq coisa ou sequer darem por mim. lembram-se de como era possív

Do acosso

Este calor que se abateu com uma força agressiva consome qualquer resistência.  O suor clandestino esbate vergonha e combate qual sabre as dúvidas.  A noite feita à medida de libertinos cancela as vozes interiores que alertam para mais uma queda dolorosa. A brisa quente atordoa, embriaga no contacto com a pele. O tempo pára, as palavras suspendem entre olhares que sustentam no ar tórrido toda a narrativa; qual pornografia sem mácula, mas plena de pecado. A lua cheia transborda e dá luz à ausência de sanidade que percorre no corpo. Tudo parece possível, uma corrente de liberdade atravessa-nos com o sabor do quente esmagado. E, mesmo assim, pulsa algo mais intenso. Mais derradeiro. Mais dominador. Mais perverso que o toque dos dedos. Mais agressivo que a temperatura irrespirável. O freio da impossibilidade.  A intuição luta com o medo e na arena o medo mesmo que picado tem sempre muita força. O medo acossa-nos.

Os lambe-cus (MEC)

Os Lambe Cus, by Miguel Esteves Cardoso   "Noto com desagrado que se tem desenvolvido muito em Portugal uma modalidade desportiva que julgara ter caído em desuso depois da revolução de Abril. Situa-se na área da ginástica corporal e envolve complexos exercícios contorcionistas em que cada jogador procura, por todos os meios ao seu alcance, correr e prostrar-se de forma a lamber o cu de um jogador mais poderoso do que ele. Este cu pode ser o cu de um superior hierárquico, de um ministro, de um agente da polícia ou de um artista. O objectivo do jogo é identificá- los, lambê-los e recolher os respectivos prémios. Os prémios podem ser em dinheiro, em promoção profissional ou em permuta. À medida que vai lambendo os cus, vai ascendendo ou descendendo na hierarquia. Antes do 25 de Abril esta modalidade era mais rudimentar. Era praticada por amadores, muitos em idade escolar, e conhecida prosaicamente como «engraxanço». Os chefes de repartição engraxavam os chefes de serviço, os alun