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Mensagens

A mostrar mensagens de dezembro, 2017

Da fronteira imaginária

Ele deitou-se e no silencio, na escuridão, na solidão e imaginou-lhe o cheiro solto do cabelo que lhe costumava cair no peito quando ela se aninhava nele a ler. O sabor vibrante, sequioso, apaziguador da sua boca quando o calava por entre risos e desejo evidente. Ela partira. Tinha ido há já algum tempo mas não sabia determinar quanto. Parecia-lhe muito desde que a porta batera com um estrondo e os saltos dos seus sapatos tinham ecoado nas escadas de madeira antiga. Desligara o voice mail portanto não lhe podia deixar mensagens. Havia-o bloqueado, não lhe podia ligar nem chamá-la pelas redes sociais, para lhe repetir à exaustão como sentia falta de dormir encostado a ela. De a ver maquilhar-se pela manhã com precisão paciente e fria. Das respostas mordazes e cirúrgicas sempre na ponta da língua, pronta a provocar quem estivesse em seu redor. Estiveram tão perto mas deixaram tudo invadir pelo meio. Ele permitiu-se ao luxo de não lhe dizer quanto a amava, todos os dias.

Das contas que não se ajustam

Não peças desculpas, não há contas a ajustar. Não lamentes só porque te faz sentir bem essa superioridade compadecida que supostamente apaga todos rasgões. Não presumas que percebes, apenas porque te dei o que precisavas de modo genuíno e sem nada pedir em troca. Não aceites que é jogo de soma nula porque apesar do que ganho, mais perdes tu pelos meandros dessa obstinada forma de magoar. A verdade é que apesar de amarga, sabe-me a vitória. Sem sombra de culpa.

Dos pedidos

via  boudoir photography Pediste-me que esquecesse as reservas e baixasse a guarda. Construir é entrega para um bem comum sem esgotar o nosso universo, sem extinguir chama própria. Pediste-me que acreditasse na força das tuas mãos nas minhas costas. Na tua boca a devorar-me o pescoço. No carinho dos teus braços em mim. Na vontade de o repetir todos os dias. Pediste-me que não ficasse na sombra, não deixasse o lado mais negro toldar as minhas decisões e a reger os meus receios e hesitações, que me libertasse dele para sob um riso contagiante entrar num caminho mais cómodo, de quem genuinamente gosta. De quem se quer. De quem almeja a descoberta e a conquista diária. E, embalada no afago das tuas certezas e no calor da tua voz, acedi com convicção de que não seria uma vez mais uma batalha perdida e um reflexo imaginário. Algures pelo caminho, perdi-me. Sucumbi que nem folha de papel ao engano. E podia pedir-te misericórdia; prefiro não ceder mais e subir as mura

Do natal, deste natal

Dormi sob estrelas sem sequer as ver apenas por sentir a intensidade do teu olhar que iluminava tudo à minha volta e incendiava o meu interior. Dormi como se fora verão quando gelava a noite lá fora só porque os teus braços me apertavam com suavidade impiedosa, territoriais e fechados sobre mim, protectores e prometedores. Dormi enquanto chovia sem cessar, bafejada por aparente calma de um campo de espigas sob leve brisa. A trovoada embalou-nos, perdidos num frenesim só nosso, de inconsciencia até esgotado o prazer, e fixarmos os olhos sem desviar, para que tudo ficasse dito. Estou desperta. Para a oferenda dos sentidos, para te acolher sem demoras, para estar com conforto e irrequieta, para me deixar ir no brilho sem misericórdia com que páras em mim.

Da luz e da sombra

O dia do casamento chegara com os nervos próprios de noiva. Ela tremia, de vez em quando, mesmo estando só no quarto de hotel onde se havia preparado com o vestido branco, caro e perfeitamente ajustado ao corpo. No mesmo quarto onde lhe haviam penteado o longo cabelo louro num puxado perfeito e elegante. Onde a haviam maquilhado em tons de uma beleza intocável.  Sentada no tocador, olhando-se ao espelho, manifestava uma aparente calma mas os olhos bailavam agitados, receando que algo estivesse fora do sitio correcto. Os sapatos de salto desafiador aguardavam, alinhados, ao lado da banqueta. As flores, num arranjo sem mácula, estavam à sua frente, prontas a desfilar por entre o publico que aguardava a grande festa. O perfume, mandado fazer por encomenda, para ela, para a ocasião, jazia no frasco de vidro minimalista depois de o ter espalhado com estratégia cirúrgica na melena, no pescoço, nos pulsos.  Bateram à porta. Duas pancadas secas. Era o aviso. Faltavam cinco minut

Da intensidade do hoje

E um dia o espelho devolve-nos uma imagem exausta, fatigada pelo rigor das lâminas que fomos deixando alojar, pelas rugas sulcadas sob o peso das lágrimas que não admitimos verter. O que vemos é uma versão nossa não realizada, um amontoado de insónias, noites mal dormidas pelas voltas da cabeça em fuga, em choque, em dor. Pelo que não aconteceu. Pelas escolhas e pelas perdas que cada uma delas implicou. Em cada vinco da pele uma trovoada. Uma reviravolta do tempo que deixou convulsões. Dívidas não cobradas de carinho, de confiança, de abraços que ficaram por dar, por receber, onde não nos deixámos descansar nem esquecer que lá fora o vento arrasava tudo. Contra a marcha imperial dos dias, há que viver com paixão sem fim, com entrega, com fervor pela individualidade e intensidade do hoje. Não depender do que possa suceder, dos afectos que podem chegar, dos olhos que poderão pousar em nós. Viver, abrir os braços ao mundo com irreverência e não permitir que o caminho se

Das esperas

Esperas por mim. Todas as noites como em todos os dias em que não nos havíamos ainda conhecido. E foste aguardando. Até que nos cruzámos sem pressas num local estranho isento de culpas, de pressas, de barreiras. Pleno de silêncios, de um abraço sem fim, de encanto. No meio do caos, dos riscos, do frio, dos medos, das circunstâncias acidentadas, vagueavas à minha espera. E eu fugia por entre estradas fustigadas sabendo de antemão que chegar a um refúgio era construir algo que seria mordida de serpente. E sucumbi à espera. Nos teus braços encerrada encontrei paz. Com o teu corpo a proteger-me, sentiste que a espera fora apenas uma passagem breve para um mar picado mas sempre em desafio. As ondas colidem sempre que nos deixámos de esperar. Batem com força e morrem suaves na areia. Esperas por mim no paredão. Até quando? 

De não te saber

E se nunca te vi e, ao cruzar-me contigo, estremeço sem perceber as razões? E as pernas que fraquejam perante um coração que dispara como cavalo selvagem livre em campo aberto? E não consigo evitar de buscar-te entre a multidão que não me interessa e só gera ruído até que os nossos olhos se fixam com intensidade e, neste frame , imagino uma queda no tapete com roupas tiradas devagar por oposição ao consumo veloz da boca. Não te consigo desenhar com precisão mas sei-te de cor pelo toque arrojado, pelo desejo incontido, pelo abuso ávido com que me tens e me usas. Existes em mim, sinto-te a passar-me a pente fino as emoções com aspereza e efeito destruidor, quando nos submetemos, à vez, aos caprichos de cada um que preenchem o outro.

Do céu imenso

O lhamos o céu e potenciamos a capacidade de nos realizarmos em pensamentos. De ver sob um angulo sem espessura a matéria que nos reafirma e preenche.  Nós e o infinito de possibilidades por mais agruras que nos rodeiam. Nós e a solidão, apesar de quem passa, quem está, quem anda em pêndulo entre o nosso abraço e a dúvida, quem não quis estar. Nós e o silêncio, esse amortecedor de inquietudes. Nós e o que falhou em pancada seca como dor em ladainha, o que não vamos repetir, o que jurámos expurgar das roupas a que chamamos dia seguinte.  Nós e apenas nós, pois o céu é imenso, acalma, sana o que não se descreve mas não comporta outro fôlego.

Da surpresa doce

Ele é gentil.   Tem um olhar meigo que se adivinha por debaixo do ar sonhador, distraído como se as respostas e as linhas estivessem sempre no céu azul.  Como se todo um filme de argumento delicado, fotografia suave, banda sonora que desinquieta  e amores felizes se desenrolasse na sua cabeça à medida que caminha por Lisboa.   E a mochila às costas só pesasse do livro e dos cadernos rabiscados com histórias e não com dúvidas e receios que o faziam retardar o passo. Ele é tímido, quase frágil. Uma doçura acariciava os demais quando observa. Vê beleza com uma claridade qual sábado de inverno que se levanta sobre a cidade com a sua luz única.  Há paixão inflamada sob aquela calma, como jazz que arrepia, que perturba, que faz gemer.   Ele é uma surpresa doce.  

Dos olhares que se desviam

E depois? Como nos olhamos outra vez?  Optamos pela solução fácil de recolha cada um a seu canto, ainda   com a adrenalina em alta do combate, mas com os hematomas devagarinho a aparecerem, corpo recostado nas cordas, feliz, miserável, a habituar-se à distância que aí vem.  As marcas, por mais fortes, vão sarando à medida que os dias passam, sem nada mais acontecer.   As dores ficam enquanto andamos no passo diário, nas musicas que ouvimos, nas piadas que queríamos partilhar, no que podia ser a dois mas é pedido para um.  Regressos, novos abandonos, ou tudo igual. E aquele momento estranho em que apenas nos cruzamos, e um desvia o olhar. KO.  

Da desesperança

Não, não estou bem, estou de rastos, aliás não estou assim desde que o conheci? Desde que aquela voz me acordou, que aquele sorriso cortou as mesmas conversas, o mesmo raciocínio, a cumplicidade, um não sei quê, um aperto no peito que enlouquece sem aparente razão ou motivo, uma dor que mata, que corrói, que dessossega, mas que enebria, que entontece, que perdura num travo suave de cravinho e rosas por entre sonhos sempre com o mesmo rosto que se afasta porque nada o prende, nada o cativa, porque não há motivo para ficar. A dor não se mexe, permanece aqui dentro mas sou eu que não posso ficar agarrada a ela, sou eu que me tenho que desprender e zarpar veloz para a confusão, para o caos, perder as ideias, esvaziar a cabeça e pairar sobre tudo e sobre todos com a displicência de uma mente arrebatada e sem grandes desígnios! A vida não podia ser menos cor-de-rosa e mais ambígua que uma paisagem agreste e belicosa. Porquê aquele dia, porquê tê-lo conhecido só para me enredar n

Do estar ali

Ali estávamos. Sem assunto e com tudo para dizer. Num lento avançar para conquistar espaço ao outro como se fossem pernas a esticar-se num sofá, encostadas a outras, encaixando de modo natural duas pessoas em descoberta, sob o efeito de embriaguez de Michael Kiwanuka e de um frio cortante. E estávamos ali. No perfeito desconhecido entre o abismo do que pode acontecer e a redenção do que se nos pode oferecer. Faltava somente um sinal. Um inclinar do olhar que despertasse a torrente de afectos contidos mas sedentos de encontrar uma finalidade. Ali jazíamos tímidos e voluntariosos, com a mente a 1000 sob uma falsa calma, distantes e territoriais, sequiosos de nos rendermo-nos ao apelo do outro. E ali ficámos. Ainda ali estamos. Faltou a coragem para derrubarmos as almofadas, experimentar os beijos do outro, perceber que fazia tudo sentido, que o sabor era uma questão sem questão. Estamos paralisados pelo medo. Do que implica gostar.

Do ser indestructível

Somos indestructíveis. Não somos, na verdade, mas temos que nos imaginar assim - indefectíveis, resistentes, capazes de desferir o ultimo golpe, sorrir no momento da vitória, alimentarmos a nossa coragem de determinação intrínseca. Crer que temos em nós os trunfos, seguir os instintos, ir a jogo, correr riscos, seguir em frente quando levamos a pancada seca da desilusão, de mais uma entrada dura  do adversário que não esperávamos.  Não ceder ao peso do infortúnio, da intempérie emocional de todas duvidas que nos assolam. As respostas não chegam fácil só porque ganhamos mais quilômetros de vida. Só a dureza de quem sabe que vai ganhar, no meio do remoinho, nos salva e nos confere um sorriso único.  Somos nós com todo desgaste, sem esperar redenção, à mercê da nossa curiosidade, paixão e vontade de ser mais. Somos temidos pelos outros porque sabemos que há em nós a dose certa de insanidade e fome que nos obriga a almejar. A cada dia com gratidão pelo que temos para nos dei

Das noites

Há noites em que o desejo tortura tal a necessidade. Em nós queima febril uma vontade de que não haja controlo, não haja restrições, os movimentos soltam-se com urgência e como se a sobrevivência estivesse em questão pelos beijos em sobressalto e a quente. Não há regras, só pele a latejar. Não há certo nem errado, apenas suor e pedidos em gemido por mais. Não há mais ou menos, rápido ou devagar, há um arquear das costas. Não há horas, somente fome por possuir, com emergência, ânsia, súplicas. Não há lençóis ou edredon, há corpos nus em dança a dois como se fosse ensaiada vezes sem conta ainda que fosse a primeira vez que as roupas tenham sido roubadas com brusquidão, e a exposição completa tenha sido uma revelação  ainda mais propulsora. Não há noção de espaço, todos os cantos são território a conquistar sob farta intensidade e poderoso engenho. Há noites que nada faz sentido sem ser não ter noção e perder os sentidos entre música e o som do roçar de cansaço e praz

Da porta

Há uma porta que balouça ao sabor da corrente de ar. Que nunca se fecha, em perpétuo movimento, à espera. De algo novo, de algo que não sei prever, de algo pelo qual busco incessantemente.  A porta agita-se mais consoante a minha insatisfação aumenta, quando a demanda se torna sufocante. Quando o imediato e a impaciência se aliam para me alimentar o caos.  A ausência de equilibro faz a porta movim entar-se mais depressa, a ranger com um som que me rouba o sossego, que ampara e desperta a inquietude.  A porta sucumbe a esta ventania, quase salta no remoinho e eu não sei se a atravesse com toda a fúria que há em mim, se resista com temperança.  O que seja, sou total, inteira. Mesmo ante a porta que não se encerra, que há anos me desafia a uma busca que não tem fim, que desgasta a madeira pelo cansaço, pela insatisfação, por algo que falta. E o chão está massacrado pelo fluir da porta pese embora que é neste contínuo andamento que está a minha história, a minha entre