E um dia o espelho devolve-nos uma imagem exausta,
fatigada pelo rigor das lâminas que fomos deixando alojar, pelas rugas sulcadas
sob o peso das lágrimas que não admitimos verter.
O que vemos é uma versão nossa não realizada, um
amontoado de insónias, noites mal dormidas pelas voltas da cabeça em fuga, em
choque, em dor. Pelo que não aconteceu. Pelas escolhas e pelas perdas que cada
uma delas implicou.
Em cada vinco da pele uma trovoada. Uma reviravolta do
tempo que deixou convulsões. Dívidas não cobradas de carinho, de confiança, de
abraços que ficaram por dar, por receber, onde não nos deixámos descansar nem
esquecer que lá fora o vento arrasava tudo.
Contra a marcha imperial dos dias, há que viver com
paixão sem fim, com entrega, com fervor pela individualidade e intensidade do
hoje. Não depender do que possa suceder, dos afectos que podem chegar, dos
olhos que poderão pousar em nós. Viver, abrir os braços ao mundo com
irreverência e não permitir que o caminho se atravesse por mais acidentado ou
solitário.
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