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Da nova casa



As paredes estavam brancas e toda casa cheirava a tinta fresca. Já não havia restos dos aromas das suas velas constantemente acesas nem dos móveis estilo retro cheios de livros e revistas. O apartamento estava totalmente vazio. Não restava nada do que fora naqueles últimos anos, o último reduto do seu mundo. Ali ficavam no chão de tábuas de madeira todas as incertezas, angústias, caminhadas solitárias, gargalhadas, noitadas de copos, conversas.

Nunca tinha pensado que voltaria a mudar. Era mais um processo de abandonar. Quase não levava nada consigo. Fechava um ciclo, vendeu o mobiliário, não tinha nada mais para colocar lá, despojou-se de roupas que estavam demasiado apertadas para os saltos que iria dar dali em diante, dos quais tinha saudades por antecipação.

Resumiu a sua vida ao mínimo pois estava cheia de futuro. As ruas estavam barulhentas e movimentadas ao mesmo ritmo que a sua mente por oposição à sua calma. Aguardara tanto tempo por um dia assim mas vivia-o com total entrega e serenidade com olhos postos no azul de inverno em Lisboa.



Esperava-a uma casa antiga, pequena, com umas escadas em caracol, assassinas, que sempre receou, num 3.º andar sem elevador, uma bicicleta só sua, acabada de comprar, e que mal dominava, as vozes altas nos passeios que entravam hora que fosse e que ainda se tinha que habituar.

Sabia que ia depositar afecto e buscar paz nas noites no sofá encostada a ele, naquela dança só deles de ironia, entendimento e desejo. Sabia que ia ter jantares tardios, demorados, com tinto, com pouca luz, e debates a dois sobre o mundo, os clássicos, o banal, os dias. Entrelaçariam os dedos enquanto o chá arrefecia, beijar-se-iam com calma mas com tensão de quem sabe o que vem a seguir ainda que capazes de construir uma cena sempre diferente. As roupas ficariam espalhadas pela sala, acabariam por cair na cama já em sofreguidão sem se importar com o frio, com as horas, com o que restava para lá deles.

Era ali que começava um novo caminho. Nas mãos seguras e sábias de quem a desconstruía ao toque e fundia-se nela, com naturalidade. Era com ele que carregava as suas forças, apaziguava inquietações, esbanjava ternura, acreditava de coração aberto, soltava-se em cada orgasmo. E bastava amá-lo, na sua forma selvagem, total e sem reservas.

Ele abriu-lhe a porta e abraçou-a.


Estava em casa.

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