"O dia de casamento chegara com os nervos próprios de noiva. Margarida tremia, de vez em quando, mesmo estando só, no quarto de hotel de luxo onde se havia preparado com o vestido branco, caro e ajustado ao corpo. Onde lhe haviam penteado o longo cabelo louro num puxado perfeito e elegante. Onde haviam pintado em tons de beleza intocável. Onde agora estava só.
Sentada no tocador, olhando-se ao espelho, manifestava uma aparente calma mas os olhos bailavam agitados, receando que algo estivesse fora do sitio correcto. Perfeccionista, sempre. Os sapatos de salto desafiador aguardavam, alinhados, ao lado da banqueta. As flores, num arranjo sem mácula, estavam à sua frente, prontas, a desfilar por entre o público que aguardava o seu monumental desfile. O perfume, mandado vir por encomenda, jazia no frasco de cristal depois de o ter colocado na melena, no pescoço e nos pulsos.
Bateram à porta. Duas pancadas secas. Era o aviso. Faltavam cinco minutos.
Margarida arqueou os ombros desnudados em tensão, os ossos da clavícula arqueados pelo grau certo de magreza ficaram mais salientes e os pendentes de diamante e ametista balançaram nas orelhas.
Levantou o queixo, mirou-se uma vez mais e ficou confiante do impacto da sua beleza e da sobriedade do seu porte. Era o dia mais importante dos seus 32 anos da sua vida. Todos os encómios de sobranceria e altivez com que havia sido marcada, hoje eram abafados pela grandeza da festa.
De pé, endireitou o vestido, compôs uma mecha de cabelo e dirigiu-se à gaveta. Com o mesmo modo frio como tratava tudo à sua volta, pegou na lâmina e cortou, de um golpe seco, a garganta. O encarnado derramou pela alcatifa creme e o seu corpo caiu com a subtileza que não teve em vida."
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