Portugal é um país esquizofrénico. Dúvidas disto não podem existir!
Falar de iminente crise politica neste rectângulo é quase ridículo porque o nosso ADN comporta um start-up ao melhor nível da Dinastia ou do Dallas: começamos com um filho a rebelar-se contra a mãe e, por arrasto, com o avôzinho que era o seu Rei. Shakespeare teria delirado!!!!
A esquizofrenia mantém-se. O alerta que surgiu ontem à tarde sobre o Comunicado do PM às 20H00, num frenesim de que seria desta que o homem se fartava disto e ok, vamos lá eleições, que já não vos possa aturar, mais á Merkel, mais ao FMI, mais aos Deolinda e o raio que vos parta...
Pois não, não houve desfecho de tragédia negra. É tipo novela (registo televisivo que me apraz dizer sempre, ODEIO), vai enrolando para cenas dos próximos capítulos.
E começaram de imediato todos os doutos comentadores, politólogos, paineleiros, jornalistas e treinadores de bancada a discutir a dimensão da iminente crise politica.
Tudo isto só não resulta numa coisa patética porque é dramático. De facto.
Mas agora compare-mo-nos com um país... sei lá! A Bélgica. Se há país que sabe o que é uma crise politica, a Bélgica está lá!
Com 30.528 Km2 e uma população de aproximadamente 10,7 milhões de habitantes, o país está entrincheirado entre duas comunidades linguísticas. Por um lado, os Flamengos, falantes do holandês, e os Valões, que falam francês. Ainda há, para aumentar a confusão, uma comunidade mais pequena que fala alemão.
As quezílias entre as várias comunidades têm tornado o país praticamente ingovernável, quase tipo Sporting: 12 anos, 9 governos. Em Junho de 2010, nas eleições que ocorreram, os partidos separatistas tiveram maioria na Flandres. Porém, após longos meses de negociações, ainda não há acordo para a formação de um governo.
Existem umas intrincadas confusões sociais e psicológicas em torno de Bruxelas e da maioria francófona. Visto de fora, parece uma coisa tribal africana.
Esta coisa do país estar sem Governo, mesmo com a intervenção real a tentar sanar a situação, levou a que, a 23 de Janeiro deste ano, 50 mil pessoas se manifestassem em Bruxelas contra os mais de 220 dias sem acordo político e sem governação.
Sendo uma Monarquia parlamentar constitucional, o Rei Alberto II é o Chefe de Estado oficial mas é um verbo de encher, em teoria. Depois existe (ou devia existir) um Primeiro-Ministro, um parlamento nacional, e três parlamentos regionais.
Ora bem, a verdade é que apesar deste desgoverno, por alguma razão este "piqueno" país que fundou a UE, dá lições a Portugal e ao Sporting, já agora. E porquê? Porque a crise politica não parou o país.
Provavelmente já não será a 15ª maior nação comercial do mundo (dados de 2007), mas não caiu a pique nos ratings das agências (aquelas que não gramam Portugal nem por nada!). A força de trabalho mantém-se produtiva, o PIB é à mesma alto face á média europeia e continua a exportar (automóveis, produtos alimentares, ferro e aço, diamantes lapidados, têxteis, plásticos, produtos de petróleo e de metais não-ferrosos).
Mesmo com uma economia fortemente orientada para os serviços, estes estão tão bem estruturados de uma forma não dependente do Governo, que continuam a funcionar ... fácil, fácil. Não é por não haver um PM que os Serviços, sejam financeiros, económicos, administrativos, hospitalares, educativos e até organismos públicos de caracter mais associado a ministérios ou estratégia política, cessaram a sua actividade. Pelo contrário, funcionam. Comme il faut.
Ajuda existir a figura do Rei, que nestes momentos, tem assegurado alguma estabilidade, dentro do possível (é que nem quero pensar no Sr. Aníbal numa situação destas!). Mas a verdade é que a situação na Bélgica, por mais irracional que seja, não afundou o país e se há razões para estragar um país são divisões regionais picuinhas.
Portanto, na Bélgica não há Governo, não há Oposição, ninguém se entende, mas as coisas funcionam e a precariedade não é o grande leit motiv dos discursos nos autocarros, nos cafés ou no Facebook. Em Portugal, há um Governo, que dali não sai, há uma Oposição vigorosa, truculenta, às vezes mesmo parva que dói, e, hellas, andamos todos com a corda na garganta ou a cápsula de cianeto no anel, a bem da sanidade mental.
Estranho, não?
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