Agora dizes que fui um ponto de inflexão. Que fui quem
parou o jogo de máscaras. Que te antecipou as jogadas e apanhou o bluff. Que te
leu. Despiu todas as estratégias de força. Que te desmontou as peças. Que te
reconstruiu com mestria. Que fui eu que vi as vulnerabilidades e as transformei
em setas hábeis. Que te injectou confiança num chuto de força com coragem.
Agora pedes para voltar. Que percebeste o quão fácil era
seres tu aqui. Que neste território a agressividade era um estímulo. A paixão,
avassaladora e orientada à transformação. Contínua. Que nenhum dia era igual ao
outro. Que o desafio era estar à altura do desafio. Que as emoções ecoavam
pelas paredes de tal a intensidade como queria viver o arrebatamento que nos
unia. Que essa propulsão era lenha para a tua vontade de te entregares.
Agora queres que eu esqueça. Que antes nada disso te
interessou. Que naqueles dias buscavas algo menos profundo para as noites. Ou
algo mais dentro das linhas. Ou algo mais perfeito. Ou mais encaixado com as
normas. Ou menos confidente. Menos cúmplice. Menos confiante. Menos receosa de
estar só. Por tal tão consciente de que queria estar a dois.
Agora sabes que a convulsão cruzada com a atitude de quem
questiona tudo é um salto de fé, não uma arma carregada. Que desperdiçaste
amizade e afecto e tesão porque não era o momento, porque nunca é o momento. E
porque eram muitas dimensões quando se está habituado a viver em cilos. E
porque orgasmo da realidade era tão demais para quem nunca vivera assim.
Agora desejas que te ouça. Que te leia as mensagens e te
responda com esperança. Que te abrace com saudade. Que te diga que vamos fugir
no sofá e voltar só quando o corpo ceder. Que compreenda, que acarinhe. Que ria
com todo o meu olhar posto em ti.
Agora tentas de mim algo que não consigo. Em mim existe
tudo mas voltar atrás, retomar percursos onde me deixaram cair, fazer caminhos
de terra batida onde coloquei toda a tracção sem medo de arriscar apenas para
ficar sozinha na corrida, não é um crime que me permita.
Comentários