Houve um tempo em que ele a desejava com certeza,
veemência e tentação. Que pegava várias vezes ao dia no telemóvel para lhe
ouvir a voz. Para lhe escrever como a queria. Que num flash lhe aparecia a
imagem dos seus dedos nos revoltos cabelos negros que a ela caiam sem
restrições pelas costas. Que o cheiro dela estava preso em todo ele, alguns
dias tão intenso de saudade que a demência rondava.
Houve um tempo em que esticar-lhe a mão, arrebatá-la para
o seu peito, deitá-la com leveza nas penas do colchão, era o seu motor enquanto
corria, sob chuva, sob frio, sob sol sem clemência. Enquanto bebia copos com
amigos noite dentro em tertúlias que o deixavam esgotado por sentir-se tão só.
Houve um tempo em que teria dito tudo que lhe apertava a
alma e toldava o ar. O exercício de respirar com aquele peso no peito
tornara-se hábito duro, feroz, ardiloso e um massacre com o qual já lidava com
facilidade. Teria sido célere libertar-se, houvera dela um sinal de que
esperava por ele, que lhe daria caminho se ele lhe desse tempo. Acertaria o
ritmo para lhe dar tudo o que antes ninguém dera e que ele próprio se
surpreendia a descobrir em si para oferecer.
Mas estava lá, em abundância. Aquela vontade de a
proteger, de a fazer sentir-se única e por ela ser preenchido com tantas
faíscas que dela emanavam.
Houve um tempo que se alimentou deste intenso abismo. E
um dia acordou. Na cama de uma única almofada e esse tempo terminou.
Comentários