Começa com um frio no estômago.
Um desejo voraz de cama, beijos, trocam-se fotografias de infância. Há o estimulo da mão com mão em ondas de carinho, o arrasar sensações nos corpos à descoberta. A confiança, a felicidade de estar certo que é "aquela" pessoa. Vê-la chegar e entrar em frenesim. Imaginar, em fins de tarde de setembro, quando o frio já aperta, que se vai envelhecer lado a lado, com chá e manta nos joelhos.
A magia dá lugar à maturidade dessa cumplicidade sem preço. Dos olhares prolongados cheios de significado que não precisam de palavras. O conhecimento mutuo torna-nos mais consistentes. Realizados. Já não precisamos de procurar, brincar à sedução e ao engate. Encontrámos o porto de abrigo.
E como se fosse apenas um simples instante, tudo se degrada.
A pessoa que mais se ama é um estranho. Cria-se um muro cada vez mais alto, cada vez mais espesso.
De repente, aquele/a que é centro do nosso universo fora de nós, é alguém a quem não nos sentimos ligados. Dávamos a vida por esta pessoa mas não sabemos o que falar com ela, como abraçá-la. A intimidade torna-se desconfortável, violenta. Sem sabor a êxtase.
Queremos estar com quem construimos sonhos e realidades, mas é irrespirável. As expectativas tornam-se altas. Queremos que o outro seja mais ambicioso, ganhe mais dinheiro, lute por mais, ou então que se dedique mais ao lado pessoal, não seja um ansioso aventureiro. A insatisfação instala-se.
E os murros que sentimos no estômago começam a vir ao de cima. A ternura dá lugar à luta. Porque ainda se ama mas as cartas foram baralhadas e já não se tem uma "boa mão". Porque não conseguimos lidar com este confuso jogo de emoções e os nossos instintos afinam-se, enquanto caçadores e enquanto presas.
É assim a vida.
É assim o "Blue Valentine". Ou a realidade prostrada no grande écran.
Um filme sobre um casal em fade out, que vive uma vida monocromática. Ambos os actores (Ryan Gosling, Michelle Williams) são magistrais em acomodar-se ao ritmo lento, tenso e quase incómodo que o realizador, Derek Cianfrance, impõe ao filme.
Nós, os espectadores, sentimos o quão desinteressante é aquela rotina, queremos fugir dela, percebemos a frustração tic-tac de Cynthia e, choramos, com Dean e com a sua vontade de agarrar todas as oportunidades como bóias de salvação.
Será que o destino nos quer "juntos para sempre"? Porque é tão brutal constatar que é um cliché que falha? E, assim, implicar tanta dor?
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