Avançar para o conteúdo principal

Como se parte um coração

O cheiro a mar sente-se ainda nem se saiu do carro. A brisa passou a ser diferente. As cores mudam. Ouve-se já perto o barulho das ondas numa suave cadencia de embalar, o eco próprio da praia, com sons que se misturam e fazem adivinhar o panorama antes de o sequer ver. 


A areia começa a escaldar. As havaianas seguem em flip flap pela passadeira de madeira, cesto de vime numa mão, livro noutra, óculos de sol que escondem o sono e a vontade de deixar cair tudo e correr para a água. 


Há um aroma mental a gelado que se confunde com o real, a cremes protectores. 


Aluga-se o chapéu, 2 cadeiras, estendem-se as toalhas. Sai a t-shirt, a saia de ganga, compõe se o bikini para não sair carne de onde não deve. Elástico a condizer com o relógio, que combina com as chinelas, o chapéu e o boné, prende o cabelo num rabo de cavalo. Bâton protector e começa a descida para o fresco junto do mar. Na barriga, um frio de ansiedade, uma vontade incontrolável de rir, de saltar de alegria, de chorar. 


Inspecção anti-algas cumprida, o sal toca-lhe por fim. A sombra reflecte se no azul esverdeado. Está amena ou gelada? Não interessa. Acelera o passo, o corpo é salpicado, enquanto se afasta das demais pessoas. 


E no momento exacto em que o coração dispara acelerado, com a ansiedade de um adicto em ressaca, e as memórias de todos os Verões da história, mergulha. Abre os olhos ainda submersa e nada até mais à frente. Eléctrica com a emoção, vem acima, fura uma onda, deixa-se ir no seu movimento sensual e queda-se, em seguida, a boiar, com a cara a queimar, a respiração ofegante. Quase adormece. Está feliz! 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Os lambe-cus (MEC)

Os Lambe Cus, by Miguel Esteves Cardoso   "Noto com desagrado que se tem desenvolvido muito em Portugal uma modalidade desportiva que julgara ter caído em desuso depois da revolução de Abril. Situa-se na área da ginástica corporal e envolve complexos exercícios contorcionistas em que cada jogador procura, por todos os meios ao seu alcance, correr e prostrar-se de forma a lamber o cu de um jogador mais poderoso do que ele. Este cu pode ser o cu de um superior hierárquico, de um ministro, de um agente da polícia ou de um artista. O objectivo do jogo é identificá- los, lambê-los e recolher os respectivos prémios. Os prémios podem ser em dinheiro, em promoção profissional ou em permuta. À medida que vai lambendo os cus, vai ascendendo ou descendendo na hierarquia. Antes do 25 de Abril esta modalidade era mais rudimentar. Era praticada por amadores, muitos em idade escolar, e conhecida prosaicamente como «engraxanço». Os chefes de repartição engraxavam os chefes de serviço, os alun

Devo ser a unica mulher

Que gosta do Mr. Big. Pois que gosto.  Enquanto a Carrie era uma tonta sempre à procura de validação e de "sinais", a complicar, a remoer, ser gaja portanto, o Mr. BIG imperfeito as may be era divertido, charmoso, sedutor, seguro (o possível dentro do género dos homens, claro), pragmático.  E sempre adorou aquela tresloucada acompanhada de outras gajas ainda mais gajas e mais loucas.  Fugiu no dia do casamento? Pois foi. Mas casaram, não casaram? Deu-lhe o closet e um diamante negro.  Eu gosto mesmo muito do Mr. BIG. Alguma vez o panhonhas classe media do Steve? Ou o careca judeu que andava nu em casa? Por Sta. Prada, naooooooooo! 

Do acosso

Este calor que se abateu com uma força agressiva consome qualquer resistência.  O suor clandestino esbate vergonha e combate qual sabre as dúvidas.  A noite feita à medida de libertinos cancela as vozes interiores que alertam para mais uma queda dolorosa. A brisa quente atordoa, embriaga no contacto com a pele. O tempo pára, as palavras suspendem entre olhares que sustentam no ar tórrido toda a narrativa; qual pornografia sem mácula, mas plena de pecado. A lua cheia transborda e dá luz à ausência de sanidade que percorre no corpo. Tudo parece possível, uma corrente de liberdade atravessa-nos com o sabor do quente esmagado. E, mesmo assim, pulsa algo mais intenso. Mais derradeiro. Mais dominador. Mais perverso que o toque dos dedos. Mais agressivo que a temperatura irrespirável. O freio da impossibilidade.  A intuição luta com o medo e na arena o medo mesmo que picado tem sempre muita força. O medo acossa-nos.