A música soava baixinho da tua velhinha rádio, lias o jornal, enquanto eu tentava concentrar-me no livro, como se não estivessemos verdadeiramente ali, pois na realidade andávamos à deriva nos nossos próprios oceanos. Não consigo ainda perceber porque a solidão nos castiga mesmo quando partilhamos o mesmo espaço; será então preferível partir à descoberta do que há para lá de nós, buscar em outras estradas outros destinos incertos, que não nos matem lentamente perante aquilo que não vivemos apesar de o parecer?
Teria sido melhor que nunca me tivesses olhado como o fizeste da primeira vez, com aquele sorriso nervoso e expectante. Teria sido melhor que não me tivesses soprado ao ouvido toda a tua vida, não me tivesses feito sentir naturalmente parte dela, não me tivesses acolhido na tua pele que sussurrava o meu nome ao mínimo toque.
Agora, impera uma estranha espécie de código impenetrável, num avassalador desconhecimento, que no coloca frente a frente mas distantes, para lá de uma qualquer fonte em que nos podíamos baptizar e redimir o passado e começar unidos. Porém, não o fazemos porque não temos passado. Não nos lembramos do que fomos porque começámos a existir naquele momento em que nos cruzámos. Mesmo assim, não é suficiente, nunca será suficiente na medida em que não temos poderes para abdicar, de sacrificar, de ceder. Somos egoístas, somos obcecados com a não intrusão nos nossos domínios. Temos medo, no fundo. Receamos, preferimos sofrer.
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