Já não se escrevem cartas e é uma pena.
Também quem as quer receber ou consegue aguentar-lhe o impacto?
As palavras ardem. São reais, ganham vida numa folha de papel e, de repente, lê-las é sinal ou de grande valentia ou assumpção das nossas ausências de coragem.
Esta é a última carta que te escrevo. A ti ou outros que te sucedam. A minha letra, outrora próxima, perceptível, quase perfeita, passou a evasiva, escorregadia na folha, rápida.
Cansei-me de escrever. De transpor para uma superfície imaculada os remoinhos, as dúvidas, o arrebatamento, a complexidade traduzida do que é ser eu. Terás lido? Somaste parágrafos mas não quiseste interpretar.
Dá muito trabalho. As palavras soltam-se com maior facilidade ditas, no tom certo, no momento certo, em proporção de encantamento com dissimulação.
Mas quando escritas, há uma prova. Houve um depósito de sentimento, um momento de mostra de vulnerabilidade; e lidar com isso é uma missão que nem todos estão à altura. Requer certezas e capacidade real de correr riscos, não apenas falar deles como viagens já feitas a resorts paradisíacos. Sem me ler, mantemos a ignorância, nada se dá ou partilha. Melhor assim.
As palavras são de quem as pensa, sente e abandona numa página. E nada mais será dito.
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