Sentava-se todos os dias no mesmo café, quase sempre na mesma mesa, durante a tarde. Chegava mais cedo, ou não, dependendo do trabalho que tinha, feito em casa, ou da hora a que saía do cinema ou terminava a aula de História de Arte.
Invariavelmente, pedia uma torrada, aparada, e um leite com chocolate Ucal. Fresco. Depois um café. Uma água. Os empregados já a conheciam, reagiam quase automaticamente à sua entrada, mas não havia espaço para conversas. Eram afáveis, ela sorria mas os olhos tristes de um castanho desiludido não concediam mais intimidade.
Durante as horas que ficava, ora desenhava, ora lia, ora rabiscava ideias para um livro que nunca iria escrever, ora quedava-se apenas a observar a rua, os clientes oscilantes, a porta do hotel de design que abrira há menos de um ano, em frente ao seu casulo diário.
A rotina instalara-se pouco depois do hotel ter aparecido na história. Antes ela apenas aparecia esporadicamente para um pequeno almoço rápido ou para comprar pão ao fim do dia, sempre com o uniforme formal de quem tinha uma carreira bem aceite aos olhos dos outros.
Às vezes, ao fim de semana, passava com roupa de jogging, ar relaxado e um cão por companhia.
De repente, trocou as voltas e passou a marcar presença com a regularidade de um relógio suíço. Gostava daquela calma, de lhe respeitarem o silêncio, de lhe oferecerem um mini pastel de nata com o segundo café.
Nesse dia folheava uma revista e contemplava as fotografias. Gostava de fotografias. Tinha perdido as suas todas numa mudança acidentada. Todo um passado, colorido, risonho, com pequenos traços de nada mas com a intensidade de uma grande onda, havia ficado nesses retratos. Nunca mais lhe haviam tirado uma fotografia que fosse. Nem deixaria.
As horas passaram, arrumou a carteira quase vazia que arrastava no ombro, sentiu-se cansada demais para se levantar. Queria ficar ali, pelo menos ali valia alguma coisa. Era uma peça que importava. Dariam pela sua falta se não voltasse. Mais ninguém o faria.
O peito apertou numa espécie de dor sem local certo, o nó na garganta quase a impedia de respirar. Não queria chorar, não ali. Onde conseguira ser alguém. Vivia remediada com aqueles fins de tarde.
A custo, ergueu-se. Deu as "boas tardes" no modo desajeitadamente tímido, saiu devagar e não esperou que a chuva, que começara pouco a pouco para se transformar numa cadência consistente e fria, passasse.
Seguiu caminho sem protecção e sem pressa. Já não sabia o que era a ansiedade do relógio, a pressão das horas e, mesmo assim, a vida passava-lhe num instante, como as portas rotativas do hotel. Cada volta, era uma fracção de vida. E as portas não rodavam ao contrário.
Continuou adiante. Já não era pobre nem rica, feliz ou triste, amável ou dura. Formara a sua própria categoria, de expectativas giratórias como as portas do hotel. A chuva ensopou-a por completo e os pensamentos cessaram.
(2011)
(2011)
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