Avançar para o conteúdo principal

a simple story




Lembro-me que fui ver o Sideways, do Alexander Payne, às Amoreiras. A sala, pequena, estava cheia. Éramos um grupo de 4. Creio, estou segura, que fui a única que gostei do filme. Aliás, eu adorei o filme. Longe de me sentir uma freak, senti-me muito satisfeita pelo dinheiro gasto e contente com uma bem sucedida ida ao cinema. O problema foi dos outros, claramente.

Take 2. Tenho duas grandes amigas que são loucas pelo George Clooney. Púnhamos as coisas nestes termos: se vamos ao cinema as 3, eu fico ao meio, porque elas, que são normalmene civilizadas, viram uma alucinação só. Até lhe acho piada (ao Clooney, não a elas!) mas não me suscita alterações hormonais (ainda que saber que ele alegadamente não suporta a Angelina, fez subir o senhor na minha consideração, e muito!) que me movam a pagar €5,10 (com desconto!) para ir vê-lo ao grande ecrã. 

Last shot... Contrariamente a uma grande parte das pessoas que apenas quer ver no escurinho do cinema histórias que fujam ao daily-basis, cada vez mais aprecio argumentos que não sendo simplistas nem banais, sejam simples e próximos da nossa existência. Porque esta comunhão é mais dificil de estabelecer na era do 3D. E porque a vida, tal como ela é, é muito mais dificil de retratar nas suas cambiantes, incongruências, emoções, expressões faciais que tudo dizem mesmo no maior dos silêncios, na sua crueza.   

Matt King (George Clooney) é um homem normal. Um bom homem. Com as suas fraquezas e falhas, mas movido por um sentido de dever e de familia muito forte. Contraditoriamente, é um pai ausente e um marido pouco empenhado, ainda que adore as filhas e ame a mulher, tão diferente dele. Matt é contido, rigoroso, "certinho" e apostado em fazer o bem para todos, a milhas de distância de uma mulher, Elisabeth, que vive para o prazer imediato, para gozar a vida, para a diversão, para ter mais. 

Quando uma mulher adultera está em coma e se percebe que o marido não era uma figura presente em casa nem no casamento, a culpa baila no ar demasiado desconfortável para cair. Parece doloroso que recaia sobre a  mulher moribunda, manietada nas suas paixões e ambições, mãe arrojada, alcoólica, filha do papá, hiper-protegida por estes dois homens da sua vida. 

Mas não é justo que o veredicto seja imputado a Matt, duas vezes ferido na asa: pelo acidente da mulher, e consequente desnorte na gestão doméstico-parental (que mantém sempre sob controlo mesmo quando parece que está prestes a estourar); e pela traição de Elisabeth, a pontos de abandoná-lo sem que ele desconfiasse, mantendo ainda assim uma luta entre a curiosidade mórbida sobre o assunto e um grande sentido de abnegação e de amor sentido. 

Com uma dignidade cambaleante entre o estar totalmente perdido e a racionalidade de manter o mínimo de normalidade possível, Matt troca com a câmara olhares tristes, profundamente íntimos mas, em simultâneo, vai reconstruindo o puzzle, recuperando as filhas: uma pré-adolescente de 10 anos, que tenta afirmar-se como rapariga (e já não menina) e reage  à situação clínica da mãe tendencialmente com agressividade, e uma adolescente problemática de 17 anos dada ao álcool e aos palavrões. 

Longe de ser o Hawaii solarengo, das praias sem fim adornadas de bikinis e de pranchas de surf a moldar o oceano, é um ambiente igual a tantos outros, com existências marcadas pelo mesmo tipo de eventos. A diferença está na beleza natural que Matt pode proteger ou no por de sol soberbo que apazigua as mágoas. De grandeza. 





Comentários

Mary disse…
Xinapá, temos crítica!

Mensagens populares deste blogue

a importancia do perfume e a duvida existencial do mês

Olá a todos advogo há bastante tempo que colocar perfume exalta a alma; põe-nos bem dispostos e eleva-nos o bom espírito. Há semelhança do relógio e dos óculos de sol, nunca saio de casa sem perfume, colocado consoante a minha disposição, a roupa que visto e o tempo que está. Podem rir-se à vontadinha (me da igual) mas a verdade é que sair de casa sem o perfume (tal como sucedeu hoje) é sempre sinal de sarilhos. nem mesmo umas baforadas à socapa no táxi via uma amostra que tinha na mala (caguei para o taxista) me sossegaram, ate pq não era do perfume que queria usar hoje. E agora voltamos à 2ª parte do Assunto deste email: duvida existencial do mês Porque é que nunca ninguém entrou numa loja do cidadão aos tiros, tipo columbine, totalmente alucinado dos reais cornos? É porque juro que dá imensa vontade. Eu própria me passou pela cabeça mas com a minha jeiteira acabaria por acertar de imediato em mim pp antes de interromper qq coisa ou sequer darem por mim. lembram-se de como era possív

Do acosso

Este calor que se abateu com uma força agressiva consome qualquer resistência.  O suor clandestino esbate vergonha e combate qual sabre as dúvidas.  A noite feita à medida de libertinos cancela as vozes interiores que alertam para mais uma queda dolorosa. A brisa quente atordoa, embriaga no contacto com a pele. O tempo pára, as palavras suspendem entre olhares que sustentam no ar tórrido toda a narrativa; qual pornografia sem mácula, mas plena de pecado. A lua cheia transborda e dá luz à ausência de sanidade que percorre no corpo. Tudo parece possível, uma corrente de liberdade atravessa-nos com o sabor do quente esmagado. E, mesmo assim, pulsa algo mais intenso. Mais derradeiro. Mais dominador. Mais perverso que o toque dos dedos. Mais agressivo que a temperatura irrespirável. O freio da impossibilidade.  A intuição luta com o medo e na arena o medo mesmo que picado tem sempre muita força. O medo acossa-nos.

Os lambe-cus (MEC)

Os Lambe Cus, by Miguel Esteves Cardoso   "Noto com desagrado que se tem desenvolvido muito em Portugal uma modalidade desportiva que julgara ter caído em desuso depois da revolução de Abril. Situa-se na área da ginástica corporal e envolve complexos exercícios contorcionistas em que cada jogador procura, por todos os meios ao seu alcance, correr e prostrar-se de forma a lamber o cu de um jogador mais poderoso do que ele. Este cu pode ser o cu de um superior hierárquico, de um ministro, de um agente da polícia ou de um artista. O objectivo do jogo é identificá- los, lambê-los e recolher os respectivos prémios. Os prémios podem ser em dinheiro, em promoção profissional ou em permuta. À medida que vai lambendo os cus, vai ascendendo ou descendendo na hierarquia. Antes do 25 de Abril esta modalidade era mais rudimentar. Era praticada por amadores, muitos em idade escolar, e conhecida prosaicamente como «engraxanço». Os chefes de repartição engraxavam os chefes de serviço, os alun