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Mensagens

A mostrar mensagens de novembro, 2017

Da coragem descrente

Ser genuíno. Não rendilhar com hesitações.  Ser honesto, ser completo e ir atrás do que se quer. Sem receio de julgamentos. Recusar jogos de fingir, de teatro, de sombras e bailado em pontas para não causar danos em outros que vivem à defesa. Conscientes dos riscos, dos novelos que nos condicionam e afastam do que queremos. Saber quando parar e assumir o que não vai acontecer.  Ter a lucidez de se ntir a paixão a arrastar-se por nós, a sulcar-nos em cada novo acordar, e mordê-la, submetê-la ao silêncio pois não passará disso: uma dor galopante pelo corpo na solidão de todos dias.  Ter o discernimento de aceitar que as desilusões são parte desta pele exausta e fria e que são hábito feito vida.  E nesta clarividência trilhada em gritos mudos, vamos recomeçando a cada nascer do sol, quando o banho lava as nossas resistências e o espelho nos devolve o que somos. Verdadeiros. Corajosos. Descrentes. Sofridos. Só nós.

Da bagagem vazia

Hoje queria ir. A força da dúvida empurra-me para a fuga. A expectativa do que pode estar pra' lá faz-me não querer esperar. O quando é uma dor dilacerante.  Preciso de partir. Sem nada na mão. Só a minha bagagem vazia e a vontade como declaração.

Do tempo que houve

Houve um tempo em que ele a desejava com certeza, veemência e tentação. Que pegava várias vezes ao dia no telemóvel para lhe ouvir a voz. Para lhe escrever como a queria. Que num flash lhe aparecia a imagem dos seus dedos nos revoltos cabelos negros que a ela caiam sem restrições pelas costas. Que o cheiro dela estava preso em todo ele, alguns dias tão intenso de saudade que a demência rondava. Houve um tempo em que esticar-lhe a mão, arrebatá-la para o seu peito, deitá-la com leveza nas penas do colchão, era o seu motor enquanto corria, sob chuva, sob frio, sob sol sem clemência. Enquanto bebia copos com amigos noite dentro em tertúlias que o deixavam esgotado por sentir-se tão só. Houve um tempo em que teria dito tudo que lhe apertava a alma e toldava o ar. O exercício de respirar com aquele peso no peito tornara-se hábito duro, feroz, ardiloso e um massacre com o qual já lidava com facilidade. Teria sido célere libertar-se, houvera dela um sinal de que esperava por el

Da chuva

Cerram-se as nuvens em torno de nós a ameaçar diluvio e de imediato os teus braços ganham força. Fecham-me em ti enquanto a tormenta se abate lá fora e o frio insiste que me protejas. Me incites a vontade. Alma em balouço embalada pelo som da chuva e pela tua respiração.  Voracidade a despique sem vencedores, ambos vencidos pela exaustão, gargalhadas e palavras. O céu cinzento entra por todas as janelas e ilumina as paredes de cada vez que sucumbo. Um planetário só nosso.  Chove e as tuas mãos sossegam, alucinam, desferem desejo. Chove e é como se reinasse uma febre em nós.

Do Agora

via  the girlfriend experience Agora dizes que fui um ponto de inflexão. Que fui quem parou o jogo de máscaras. Que te antecipou as jogadas e apanhou o bluff . Que te leu. Despiu todas as estratégias de força. Que te desmontou as peças. Que te reconstruiu com mestria. Que fui eu que vi as vulnerabilidades e as transformei em setas hábeis. Que te injectou confiança num chuto de força com coragem. Agora pedes para voltar. Que percebeste o quão fácil era seres tu aqui. Que neste território a agressividade era um estímulo. A paixão, avassaladora e orientada à transformação. Contínua. Que nenhum dia era igual ao outro. Que o desafio era estar à altura do desafio. Que as emoções ecoavam pelas paredes de tal a intensidade como queria viver o arrebatamento que nos unia. Que essa propulsão era lenha para a tua vontade de te entregares. Agora queres que eu esqueça. Que antes nada disso te interessou. Que naqueles dias buscavas algo menos profundo para as noites. Ou algo mais dentr

Do que não é suficiente

São os abraços quentes, ternos e que permitem rendição. São os beijos inesperados, fortes em tremor, desejo confessado ali mesmo, sentimento de pertença no sítio e hora certos, um sabor que escalda no mais profundo do nosso interior. São mãos sabidas que percorrem as costas com dolência e sentimento de protecção.  É um conforto que embala, que ampara, que anula a ânsia que consome. É bom. É suave e explosivo. É calma e pressa. É desfrutar e consumir avidamente.   E porque não é suficiente? E porque não nos deixamos ir em prazer e em queda livre sabendo que vamos aterrar e tudo fica bem mesmo que possamos esfolar um joelho? Porque se viram as costas, se negam as pessoas, se ignoram os toques de pele e o suor nas almofadas? Porque escasseia o tempo e sobram as razões para o "não"? Para onde vai a vontade, a paz do abraço, a magia do beijo, a antecipação de mão na mão?  Fodemos mais a nossa alma do que os nossos corpos.  

Do apenas eu

Se fosse um elemento, que fora vento para correr veloz, fustigar as alamedas não lineares que me pautam sem as tentar acalmar. Se fosse um animal, que fora cavalo, solto, selvagem, dócil para alguns, indomável para todos os demais. Se fosse uma cor, que fora de um azul exuberante, profundo, indecifrável, intenso. Se fosse objecto, que fora uma caneta sem limite de tinta para que nenhuma palavra, nenhum pensamento, nenhuma dor, nenhuma alegria ficassem perdidos sem repousar num papel. Sendo eu, e apenas eu, velocidade, inquietação, fervor e criação coexistem em caos, ora mais aceso ora mais em recluso, mas em mim, só para mim, por mim.

Da dor indizivel

Somos profetas da dor indizível. Receamos que se a desenharmos com contornos ela ganhe vincos abrasivos de giz a raspar na ardósia. Cortará ainda mais o que já de si nos foi sulcando a pele curtida pela imprevisibilidade, pelo cansaço, pela temperança que não desejamos.  Somos escrivas de olhares que pedem muito em troco do mesmo nada, encostados a doses finitas de emoção e sorrisos que apenas se abrem.   Grassa em nós a exaustão onde pulsa a vontade, o desalinho, a ausência de um sol apaziguador de quem anda em tempos desencontrados.

Da chama rápida

Somos tão breves. Leves. Apenas momentos. Insistimos em transportar peso. Tensão. Desnecessário.  Não controlamos, de facto, tudo. Ou alguma coisa. Há sempre algo que queremos que não vamos ter. Por muito que o desejemos, que o desenhemos na nossa mente como uma ilustração com cheiro, com sons roucos, com suor, com arrepios de prazer. A realidade, por si, e para nos relativizar, é feita de uma malha tecida com anos, com entregas, com construção cuidada, com os desígnios do que é uma edificação, as aspirações do que é a história de alguém.  E somos um flash. Uma carruagem de metro em alta velocidade que se acerca da plataforma, abre as portas para toda uma nova viagem, e a aventura que queremos não começa ali. O metro segue. Fomos apenas uma paragem no terminal, não houve quem entrasse. Vale a pena esperar por mais? Complicar? Sentir? Somos instantes. Para quê a fogosidade, se no segundo seguinte acabou o que nunca houve? Para quê a intensidade quando não há impuls

Da perseguição

Será que te lembras de mim? Sempre que alguém se acerca, me consome num abraço pleno, me agarra o cabelo com sabedoria e se dirige aos lábios com a vontade de como se fosse a primeira vez. Será que pensas no meu toque? Quando outrem me roda com volúpia no amarrotado dos lençóis e me puxa para uma confusão de sentidos, intenso cheiro a corpos em batalha, arrepios, suor e gemidos. Será que sentes a ausência da minha presença? Sempre que me aninho no peito de outro para adormecer, já derrotada pelo peso das horas, das decisões, da intensidade da caminhada, da entrega no sexo, e só busco amparo para usufruir da minha solidão. Será que alguma vez vou escapar da perseguição da tua voz, da subtileza como me levantavas do sofá com malicia de quem se ia perder no quarto, da segurança do meu silêncio no teu?  Vou gostar de ti, sempre. Mesmo que todos prazeres do mundo se desenlacem à minha volta, mesmo que não tenhas de mim qualquer imagem, será que alguma vez trocar

Do sorriso assassino

O sorriso assassino que me faz regressar para mais. Para outra reviravolta do que sou e para o estremecer das convicções, postas a nu pelo olhar destemido com que enfrentas esta dureza minha.  E caímos numa cama suspensa, sem tempo, sem palavras que nos liguem ao mundo real, à média luz porque somos um jogo de sombras. Não destróis o meu escudo mas invades a minha pele. Não me desmantelas mas as peças combinam melhor contigo.  Fujo, puxas-me. Quero, não dás. Doce guerra de forças, ironia de semblante silencioso, queda afectuosa no teu sorriso que me mata.

Não vás

Não vás, não desistas a meio do caminho porque a estrada não adere sempre do modo que esperas aos teus passos. O sinuoso caminho dá-nos o sentido de que que vivemos e traz-me mais próximo da tua inquietude.  Não vás, não traves a vontade. Deixa-me dar-te palco para que te esgotes nos meus braços. Dá-me um lençol branco como tela vazia na qual pinto a minha insanidade como penas que caem num som que mais ninguém ouve.  Não vás, mas sim sussurra em várias matizes de cor o que nos desperta.  Não vás, aqui dentro acertamos a dança.

Do costume

Os tempos nunca batem certo.  Quando começas a correr a maratona já se está a meio e não te deixam entrar. Já há um espaço em que os outros estão com o seu ritmo e o seu estilo. Os seus medos. Os seus amores passados que não passaram. As vidas que já se trazem plenas de história, de mágoa, de magia, de arrebatamento, de ansiedade, de ausência de paixão.  Os outros que não abrandam para correr ao nosso lado, nem aceleram para nos vir buscar. Nunca estamos em consonância. Nunca estamos no mesmo andamento. Nunca somos suficientes. Iluminamos a noite toda com a nossa força mas nunca somos lua cheia.

Do ser eu

Não és tu. Sou eu. Sinto as coisas sem as sentir de verdade. A minha essência é um modo estranho de distanciamento, de olhar através das pessoas e continuar a olhar para lá. Os meus olhos não pousam em ninguém, seguem em diante acumulando vidas, dor, histórias, dúvidas alheias, numa sucessão de miradas apenas em perspectiva. Não és tu. Sou eu. Convive em mim a risada solta com o cepticismo. Sarcasmo e desdém como peças de roupa preferenciais. Acreditar em pouco, em nada. O tempo passa e acreditar torna-se menos uma opção. As cenas repetem-se e dar de nós, emoção, intenção, afecto, já não é uma ação nem uma consequência. É inconcebível. Não és tu. Sou eu. Não vejo as coisas em branco e preto, acredito que há tanto mais de miscelânea quanto possibilidades de as zonas se cruzarem mas há cenários que estão desenhados como óbvios na minha mente. Imediatez do querer e o arriscar são naturais. Os “ses” toldam o caminho. Sinais de incerteza e indecisão são descartados co

Do que é ideal

Não há amores ideais. Irreal pensar que se atinge perfeição no amor quando se fala de pessoas numa dança continua de emoções, toque, perspectivas, tensão, desejo. Nada é perfeito na vida. Como podemos esperar que outrem, com as suas marcas, as suas pausas, as suas inconsequências, a sua imediatez, os seus triunfos possa estar sempre num alinhado movimento connosco? Não há amores ideais. Haverá ainda espaço para amores?  Num universo de constante corrida contra tempo, de assistência múltipla a uma rede infinita de polos de atenção, de um sortido de opções qual comando, é possível perpetuar a fuga e manter os sentidos quentes, a imaginação activa, o corpo em combustão sem que haja espaço ou vontade para que algo mais nos sustente, nos obrigue a dar, nos leve mais longe. Ideal, seria pois amar. Sentir conforto, naturalidade em amar como se não fosse algo tão impossível quanto missão, tão danoso como improvável, tão unilateral como calado para não parecer estranho.

Diz-me coisas

"- Diz-me coisas.  - O quê?   - Algo só teu. Algo que mostres quem és tu.  - Gosto de vinho tinto e cigarros.  - Não é isso. Mostra-me que estás comigo, que estás aqui. Que não tens barreiras. Que estás livre comigo. Que não te seguro apenas a pele. - Se me pedes a sinfonia, não desfrutas o compasso da musica. Isso nunca vai acontecer. - Porquê?  - Porque aprendi a ser assim. - Então, mente-me... - Um dia, vou ser feliz."

Do dano que corrompe

Quando chove, tudo muda. Há uma tristeza suave que se aninha a nós na sensibilidade obvia de que há sempre algum dano que nos corrompe o interior. Como se pela chuva, a nossa vulnerabilidade fosse abafada por uma reacção química que assola as nossas duvidas e expõe as nossas fracturas. As cicatrizes invisíveis, resistentes ao tempo, avivam-se.  Mas neste turbilhão de nostalgia, a chuva acorda-nos  de uma dor branda que está tão presente quanto a tentamos encobrir com céu limpo. A tormenta é a reflexão que impomos a nós próprios, a clarividência que se abre ante nós. Com a chuva tudo se altera porque vemos sem filtros o que tentamos fingir.  Sentimos sem analgésico a pontada afiada da realidade. A tontura do desinteresse flagrante daqueles a quem verdadeiramente desejamos. E miramos a nossa imagem crua por entre cada pingo frio que cai, com o conforto de saber que a chuva nos aninha a alma, a sós

Dos fados

Há fados assim. Vetados a uma espécie de distanciamento. Incapacidade de ser o objecto de uma saudade que não acalma. Fracturados por uma espécie de perpétua névoa na qual não se fura o sol em continuo. Esvai-se a capacidade de dar.  Resistir deixa de ser lema, é narrativa. O tom de voz é único, livre, expansivo, cáustico, generoso, ciente da solidão, da impossibilidade do abraço, e do impacto do discernimento.  

Da segunda pele

De tanto observar a distancia dos afectos dos outros, não se vê o próprio distanciamento.  De tanto criticar a ausência de coragem em arriscar, não se dá conta do modo como se fecha também essa possibilidade em nós.  Molda-mo-nos às vicissitudes dos elementos que recusamos nos demais, deixamos que os muros cresçam em tensão e a incapacidade de acreditar passa a ser leve como uma segunda pele.  Cansa-mo-nos das lutas, perdemos a energia de tentar de novo, ganhamos em frustração. Valemos por nós e de repente isso tem que bastar.  

Do quase

Disseste que ia ser diferente.  Que sucumbias com facilidade, por vezes excessiva.  Que cedias sobre uma pele que te acalmasse e te amasse de volta.  Que te entendesse nos ocasos.  Que dançasse ao som da mesma loucura aos primeiros raios de luz.  Que adormecesse contigo nos meus joelhos sob o peso de um livro num sofá gasto pelo nosso corpo.    Disseste que não ias ser consumido pelo medo. Como se surfasses já há muito e não receasses atirar-te às ondas em mar de inverno. E que ias aproveitar a viagem mesmo com os pés na areia fria.  Quase acreditei que tinhas força em ti. E quase acreditei que tinhas gosto por risco e vontade de sentir algo de volta. E quase acreditei que tinhas percebido que queria acreditar. Mas foi só algo que te sucedeu num momento em que te tinhas distraído. O semáforo, entretanto, ficou verde e seguiste em frente.  

Da mordida de escorpião

E se eu te quisesse mesmo que te fosse inconcebível?  E se me apetecesse companhia para uma roadtrip à beira mar, por praias desertas, cheias de descanso, de ausências, de banhos languidos e êxtase sob as estrelas?  E se o meu desejo não se confinasse ao lençol e fosse mais além na partilha, numa comunhão de ideias sem planos, no arriscar como um salto no ar para água fria?  E se ser assim tão ambiciosa seja a mordida de escorpião que me mata sempre que te vejo?  

Dos elásticos

Para onde vão as sentimentos que desaparecem? Para o mesmo sítio que as meias e os batons do cieiro e os isqueiros? Onde derivam elásticos de cabelo e tampas de tupperwares? Saberão os seus hóspedes como os apagam quando partem? Memória reset?  Paira sobre nós um céu falso com correntes de sentimentos que se perderam sem que alguém os tentasse raptar, para os quais não houve esforço de resgate, e esse peso esmaga-nos, castiga-nos. Nega-nos que sintamos.  Porque maltratamos os sentimentos que abandonamos. É uma punição em perpétua retroalimentação.  Por isso não percebemos, escapamos à ausência de matéria que nos faz falta.

Da noite

Se não fora a noite, o azul que me ilumina quando falas e deixo que me mintas, não acontecia. O torvelinho que me aproxima de ti é da cor dessa intensidade que pões em gestos descuidados, soltos, impiedosos, marcados pela voracidade da minha resistência e da pela deambulação do teu olhar. Só à noite a impulsividade de um e a inquietude de outro se conseguem cruzar, nada é tão menos claro como doi s estranhos que se leem bem sem saírem das sombras.  Um esconde-se, o outro finge. Um exibe força, o outro dissimula ausência. Um cerra fileiras, o outro magoa. Ninguém quer ficar à medida que o sol eclode. A noite tarda a dar lugar a horas menos consumíveis. Não me consegues arrumar nos passos que dás, a musica já não é a mesma, a tensão aumenta com a distância e o frio tem uma dimensão mais profunda que tatuagem.  Só à noite me consegues tocar, toda a noite, aproximar-te pel'a noite, como se só toda a noite fosse o que tivéssemos como trunfo, arma, penitência e derrad

Do balouçar

Não é fácil, dizem.  Esgueirar neste indomável espaço em que o desapego se mistura com intensidade. De lucidez com contradição. De racionalidade que se cruza com caos num ápice. Desta vontade de descobrir outros que convive com a absoluta necessidade de estar só. Do apelo da estabilidade que apenas sobrevive no meio da imprevisibilidade. Do arrebatamento que cede à distância. Este corpo balouçante de dúvidas e convicções que se refina com o passar dos dias pelo desgaste e pelos risos. É uma tecelagem árdua, difícil, cada vez mais intrincada.