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Dos idos de Fevereiro





Eram os cabelos que desciam pelo tronco em forma de S, contorcendo-se em sintonia com o corpo dela que pairava sobre o seu, até acordá-lo do seu torpor fascinado, com as pontas do cabelo a chicoteá-lo apenas com um manear de cabeça solto e determinado.

Era o modo como ela derrapava sobre ele, subtilmente mas com certeza, lhe segurava os pulsos enquanto lhe apertava as pernas pela cintura, e aninhava devagar, aos poucos, os dedos nos dedos dele, repousando mão contra mão à medida que lhe dava acesso a ela.

E ele ganhava-a; por momentos o controlo mudava de dono quando ela vagueava livre, totalmente entregue ao vazio do prazer. Nada mais interessava. O beijo poderoso dele trazia-a à realidade, o domínio dele nela mergulhava-a noutro remoinho e  ela rodopiava nos lençóis com determinação, força e gemidos.

Mas o tom, esse era pautado por ela. Pela resposta despudorada, o calor que se lhe soltava do corpo a pulsar, o gostar sem vergonha do cheiro, do barulho, do suor. Acelerava-o. Deixava-o sem resistência. Queria alimentar aquela força indomável que parecia não cessar de saciar-se. O toque. Os olhares. As ancas sabedoras. O desfecho inconsciente num recanto só dela até se aninhar em busca de amparo. 

E era isso que lhe fazia nascer a vontade: esse momento de vulnerabilidade, rápido em que os encantos dela se desfaziam perante o que tanto escondia.

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