Agora acordo com mensagens que iluminam o telemóvel e em
que dás conta de como pensas em mim antes de dormir. E que o queres partilhar
comigo porque agora sentes saudades minhas. Agora recebo telefonemas sem hora
nem expectativa e a voz é meiga e quente. Não ouço nada do que dizes, as
palavras apenas são ditas mas há muito que já não têm peso ou impacto.
Antes foi a indecisão. O jogo dos que não se comprometem,
que querem atalhos facilitados para um espaço confortável de repouso, salvação
emocional momentânea, ilusão de pertença. Egoísta forma de ser que suga o
querer dos outros para se sustentar, para sentir uma rede rápida de carinho e
abraço mas que reclama para si a indisponibilidade de reciprocidade. Para quê?
Se vos é dado grátis um sentimento para que serve o esforço de lutar por ele,
qual o propósito de envolvimento, de estar, dar a mão, partilhar silêncios e
perder a possibilidade de ter mais e mais, melhor, diferente, sempre mais,
outras.
Era assim, antes. Aparecias quando a maré enchia e
sentias que mesmo assim havia um vazio. De conversa, de risos, de cumplicidade,
de beijos com diálogo próprio, de corpos acesos em êxtase, do calor de
adormecer sob chuva e trovões na janela, abraçado a mim e sentir protecção. O
cenário daquela comunhão, por momentos, bastava. Como um carregador de
telemóvel, de manhã puxavas o fio da corrente e já estava. Era estranho
escrever-te, havia como uma obrigação constrangida na resposta. Um mau estar
meu por te importunar. O disparate. Partilhávamos cama e histórias de vida mas
não podíamos falar nos intervalos como se fosse uma loucura ou perseguição.
Antes fazias-me viver entre o desejada e importante e o
incómoda tentação que era mais forte que tu, ainda que lutasses arduamente para
que eu estivesse à distância sem nunca mergulhada no total isolamento. Seria a
única? Tu não eras. Havia mais assim, numa espécie de português suave
revisitado extirpado de coragem. Há mais. Replicam-se. Cada dia, em cada hora,
um homem transforma-se num ser distante, esquizofrénico que alterna uma dose de
paixão súbita pela frieza da indiferença. Possuídos pelo medo, incerteza,
fragilidade. Contaminados por si mesmos.
Homens que se arrogam à legitimidade de possuir os outros
pelas suas dúvidas e estas não são mais do que desculpas, que não impedem de
actuar e libertar emoções mas que são botes de salvação na altura de assumir.
Decisões. Sentimentos. Clareza.
Antes, aceitava-te assim. Mesmo dando-te todo o afecto e
honestidade que queria dar-te. Mesmo sabendo os riscos de que não fosse só medo
mas também não estarmos no mesmo alinhamento ainda que nem o negasses nem o
reiterasses. Passe de Jonas- davas mas logo te esquivavas. Mestria. Quando se
começa a ir a jogo com tantos adversários assim, quem passa a dominar o jogo
somos nós porque as tácticas são iguais. Nunca foste o único. Xeque-mate.
Antes, acabou. Agora, não há arrependimento implícito, ou
as peónias que antes nunca chegaram, ou jantares que haviam sido impensáveis,
que me façam estar sintonizada.
Agora, o foco sou eu. Não tu; não nenhum outro com a
mesma doença desse medo entranhado nos ossos; não mais alguém, seja quais sejam
as vacinas em dia. Vivo por mim para mim e a pensar em mim. Não me ligues. Não
mandes mensagens. És-me invisível. Tu e os outros. Os malditos.
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