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Da fronteira imaginária




Ele deitou-se e no silencio, na escuridão, na solidão e imaginou-lhe o cheiro solto do cabelo que lhe costumava cair no peito quando ela se aninhava nele a ler. O sabor vibrante, sequioso, apaziguador da sua boca quando o calava por entre risos e desejo evidente.

Ela partira. Tinha ido há já algum tempo mas não sabia determinar quanto. Parecia-lhe muito desde que a porta batera com um estrondo e os saltos dos seus sapatos tinham ecoado nas escadas de madeira antiga. Desligara o voice mail portanto não lhe podia deixar mensagens. Havia-o bloqueado, não lhe podia ligar nem chamá-la pelas redes sociais, para lhe repetir à exaustão como sentia falta de dormir encostado a ela. De a ver maquilhar-se pela manhã com precisão paciente e fria. Das respostas mordazes e cirúrgicas sempre na ponta da língua, pronta a provocar quem estivesse em seu redor.

Estiveram tão perto mas deixaram tudo invadir pelo meio. Ele permitiu-se ao luxo de não lhe dizer quanto a amava, todos os dias. Com a mesma força, a mesma intensidade e certeza como o raio fulminante inicial que o virou do avesso. Rendeu-se desde o início mas quis manter o controlo e foi descurando os afectos.

E cada dia ela ocupava-lhe mais espaço. Mental. Físico. Necessidade do corpo. Necessidade do espírito. E mais ele impunha uma fronteira imaginária de disciplina para não soçobrar totalmente. A entrega inquestionável já não lhe estava no acto de respirar. Não deu conta que abriu alas para que ela recuasse. Para quê dar-lhe paixão, amor, alegria, o seu íntimo de claridade e sombrio se havia sempre um escudo que não os unia?


E partiu. Levou roupas infindáveis, livros que se acumulavam, as lágrimas que nunca quis que ele visse e consciência que outra coisa seria mais completa. Mesmo estando só.

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