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Das mentiras que ouvi




O corpo vigoroso rolou na cama e enroscou-se nela para completar o seu sono. Era belo. Jovem. Meigo. Abraçou-a e continuou a dormir, em paz. Ela não o quis acordar e deixou-se estar naqueles braços que por esta noite, como noutras tantas, vieram em seu socorro para acalmar a fome, a falta de calor, a dureza de palavras que ainda lhe ecoavam na pele, no espírito, na memória quando tentava dormir.

Os danos repercutem-se tempos a fio sem que saibamos quando cessam. Os riscos, as apostas, os desejos, o carinho nunca são suficientes. Nunca preenchem todas as necessidades, vazios, afectos. A sensação de ficar sempre aquém perseguia-a como um formigueiro. A atitude cínica tornara-se como uma dormência constante, mecanismo de alerta para que nunca suavizasse a defesa.

Ele beijou-lhe um ombro, a dormir, de instinto e não amor. Devolveu-a do torpor e lembrou-a das noites sem fim protegida por um outro abraço, no qual desaparecia com facilidade e felicidade sob palavras reais que eram apenas vãs. Sem correspondência. Ditas sem consequência mas com tal convicção que a mentira se diluía sem parecer existir. E não obstante, ela lá estava. Disfarçada de intensidade, de olhares carregados, de segredos que se soltavam, de noites perdidas em gemidos e orgasmos. Tudo com base no falso.

Escondeu-se mais sob os lençóis. Escondeu-se mais de toda a carga que lhe pesava. Que a havia magoado. Escondeu-se como se nada existisse. Ele despertou e puxou-a para si. Era um herói substituto mas não deixava de ser um herói. Naquele momento.

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