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A Estrela


Quando a mãe começou com as dores, os sacerdotes recolheram-se e prepararam a bebida com que a família iria celebrar.

A noite ouviu o primeiro grito, não com a ferocidade de outros, mas de forma encantadora. Seduziu a sua audiência com o jeito tranquilo com que se apresentou. Cresceu por entre risos, brincadeiras e um afecto tremendo dos que o acompanhavam a cada minuto nos jogos, na aprendizagem, no modo como o seu olhar se colava aos sonhos, fazendo-o acreditar.

Sempre soube que algo estava escrito a seu respeito. No livro gravado com o seu nome, jazia o conteúdo do seu destino, mas não o podia ver, nem sequer se aproximar. Aguardava, apenas, aproveitando a ociosidade que lhe fora prometida, amando as mulheres que lhe apareciam no leito prontas a contentá-lo, permitindo que ele se satisfizesse no prazer delas.

Um vento quente, dos que provocam arrepios de desejo e que convidam ao encontro dos corpos, fez-se sentir, acordando-o do sono. Pela janela ampla do quarto, ouviu apenas o mar calmo, mas pressentia que algo mais lá estava. Na cama alguém dormia com toda a beleza, mas ele não reparava nem sentia mais apetite. Estava inquieto mas nada ali o iria saciar. Quase sufocava por ter saudades de algo que nem sabia existir.

Deixou-se ficar o resto da noite coberto pelo lençol à espera e quando o sol espreguiçou a luz pela manhã montou a cavalo pela região e tentou perceber o que lhe tinha sido trazido pelo vento. Porém, os seus olhos nada entenderam. Estavam cobertos por um manto de trivialidades quotidianas, invadidos constantemente por algo mais: um aroma, uma vista, um flor, um quadro, uma mulher. Em cada regresso a casa, exausto, fustigado pela velocidade das cavalgadas, trazia marcado no rosto a ausência do que buscava e a vontade férrea de o encontrar. Pela primeira vez, não perseguia um sonho, não se atirava em devaneios românticos, procurava o sentido da sua existência, agora questionada sempre que se deitava na almofada e jurava ouvir um murmúrio dolente que o embalava.

As mulheres continuavam a entregar-se-lhe, mas pareciam-lhe vulgares. Não as seduzia por valentia, usava-as como um escape do turbilhão interior que não conseguia erradicar. Castigava-as por não serem a resposta a todas as questões que se degladiavam na cabeça dele.

Por fim, pediu ajuda. Recolheu com os sacerdotes e chorou todas as lágrimas que o atormentavam, que o prendiam a uma tristeza que não conseguira traduzir, que havia fechado em si como ultimo argumento. Queria desistir, sentia-se vencido por uma força que nem sequer se dignara a aparecer para o combater; apenas respirava à distância para o fazer cair.

Os sacerdotes apanharam-lhe os pedaços, depositaram-lhe nos dedos um pouco de céu azul profundo e mandaram-no ir e só abrir as mãos quando sentisse que chegara o momento.

O dia aproximava-se do fim e ele, extenuado pela confusão de um viajante sem bússola, sentou-se e pediu aos Deuses que o amparassem. No meio da oração sofrida, cantada baixinho, ela apareceu, empurrada por uma aragem abafada, cabelo ainda molhado pelo rio onde se banhara. «Porque demoraste tanto tempo?», disse-lhe enquanto lhe pegava nas mãos, soltando a noite que ele suportara e nela colocando uma estrela que ela usara no cabelo ... "


(Mónica Pinheiro, autoria)

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