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Da sobrevivência



Há pessoas que sobrevivem a um amor que pensavam seguro, colhido pelas circunstâncias, arrastam o luto até outros braços e encontram um novo guião. Reerguem-se e amam de novo, diferente, com outra intensidade, com outros cambiantes, e mesmo assim encaixam o seu afecto na reciprocidade de outro alguém. 

E há quem nunca abandone um amor que não foi, que se desenhou em silêncio, em monólogo, à distância, sempre tímido. Este amor vive fechado em nós, tapado por camadas de vida, pessoas, outros rodopios emocionais, dores, alegrias. Quase o esquecemos, como fora apenas uma memória, mas eis que acorda e nos acorda e nos relembra que aquele amor persiste, para nossas penas. Não se mata por muito que nos mate em várias linhas temporais. 

E há quem não recupere de um amor ilusório que se nos colou ao destino qual fado.

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